Thomas Jefferson

No dia 4 de Julho de 1826, os Estados Unidos celebraram o 50.º aniversário da sua Declaração de Independência. Nesse mesmo dia, morreu Thomas Jefferson, o artífice do texto que aprovou a ruptura das Treze Colónias com a metrópole.

Poucos dias antes, Jefferson escrevera uma carta pedindo desculpa por não poder comparecer aos eventos comemorativos, uma vez que a idade e saúde frágil restringiam as suas deslocações. Apesar disso, o já idoso ex-presidente recordava na sua missiva que, graças ao trabalho dos homens que tornaram possível a emancipação das colónias, “todos os olhos estão abertos, ou estão a abrir-se, aos direitos do homem”.

Embora nos seus inúmeros  textos  Jefferson nunca tenha refiectido sobre o significado filosófico do conceito de democracia, é possível depreender das suas refiexões, textos e acções os fundamentos característicos do que os historiadores chamam de “democracia jeffersoniana”. Esta baseia-se no princípio fundamental de que apenas os indivíduos – seja qual for a sua condição – podem e devem governar-se a si mesmos.

Patriotismo e guerra

Jefferson nasceu em 1743, em Shadwell, Virgínia, no seio de uma família abastada que possuía uma grande plantação. À morte do seu pai, quando tinha 14 anos, o jovem fazia a sua formação com um professor particular, uma vez que o pai lhe queria oferecer a melhor educação possível. Esse desejo fez que Thomas fosse enviado, aos 17 anos para o William and Mary College de Williamsburg, a capital colonial. Durante aqueles anos, e apesar dos seus maneirismos de gentleman, soube demonstrar que era muito mais do que um mero cavalheiro.

Pela mão de Whyte, o seu professor de Direito, entrou em contacto com as figuras mais infiuentes e poderosas da colónia. Cedo revelou-se um estudante talentoso, ávido de conhecimento, interessado por Filosofia, pelas Ciências e por História. Era apreciado pelos amigos, com quem gostava de manter longas conversas sobre política, literatura e arte... Todos estavam convencidos de que Thomas teria uma carreira promissora, mas não adivinhavam a área de conhecimento que lhe estaria reservada.

Jefferson chegou à política quando as  relações entre as colónias e a Grã-Bretanha se estavam a deteriorar. Em 1769, era já membro da Câmara dos Representantes, onde assumiu uma posição contra qualquer interferência britânica nos assuntos americanos. O agravamento das relações com a metrópole levou  alguns  membros da Assembleia da Virgínia – dissolvida pelo governador – a convocar o Primeiro Congresso Continental de Filadélfia (1774). Jefferson não participou nesta reunião intercolonial, mas o seu Resumo dos Direitos da América Britânica chegou às mãos de alguns whigs, a facção liberal, que o divulgaram  largamente.  Conforme  se  defendia no texto, “o Parlamento britânico não tem direitos sobre nós.” Jefferson, elevado à categoria de líder radical, ousou ir ainda mais longe e acusou o monarca britânico, Jorge III, de tirania.

Na Primavera de 1775, a guerra começara e qualquer hipótese de reconstruir as pontes quebradas entre as duas margens do Atlântico era impossível: se a América queria preservar a sua liberdade, não tinha outra opção senão romper com a metrópole. No Segundo Congresso Continental de Filadélfia, Jefferson defendeu que chegara o momento de criar uma nova nação. Um ano depois, assumiu a redacção do rascunho da Declaração de Independência, cujo texto definitivo – que contou também com os contributos de Franklin e Adams – foi votado em 1 de Julho de 1776. Três dias depois, foi proclamada a independência dos Estados Unidos da América. Naquele texto fundacional, Jefferson insistia em que Jorge III violara o pacto social estabelecido com o povo americano e, portanto, este tinha o direito de romper com o tirano.

Thomas Jefferson

O MONUMENTO A JEFFERSON. Situado nas margens do rio Potomac, em Washington, e construído na década de 1940, este monumento evoca os templos da Antiguidade.

Após a declaração de independência, Thomas Jefferson regressou à Virgínia, onde se colocou ao serviço do Estado. Foi um activo promotor de importantes reformas legislativas que deveriam permitir a transição para uma nova legalidade. O seu desejo de contribuir para o bem comum levou-o a propor um plano para melhorar a educação, bem como leis a favor da liberdade religiosa, a abolição da pena de morte, a progressiva abolição da escravatura ou a conquista das terras do Oeste. No entanto, a maioria das suas propostas foram rejeitadas, uma vez que, além de estarem em jogo muitos interesses, “as mentes oficiais não estavam ainda preparadas para concretizar tais propostas “, tal como ele próprio declarou. Nos últimos anos da guerra contra a Coroa britânica, Jefferson ocupou o cargo de governador da Virgínia (1779 e 1781).

Nesse período, viu-se obrigado a enfrentar uma situação complicada, pois, além da falta de recursos, contava apenas com um exército inexperiente que nada podia fazer contra as tropas britânicas que devastaram a antiga colónia. Foi duramente criticado e, pesaroso por não poder cumprir para com o seu povo como gostaria, abandonou a vida pública durante algum tempo.

Em Maio de 1784, Jefferson foi nomeado pelo Congresso ministro plenipotenciário em França, substituindo o velho Benjamin Franklin. Residiu em Paris o tempo suficiente para comparecer aos primeiros dias da Revolução Francesa.

No final de 1789, regressou a casa, onde o presidente Washington requeria que assumisse a Secretaria de Estado do novo governo. Jefferson permaneceu no cargo até 1793, momento em que apresentou a sua demissão em virtude das divergências com Alexander Hamilton, secretário do Tesouro. Jefferson opunha-se a que o governo criasse um banco nacional, como defendia o primeiro, uma vez que considerava que excedia as suas competências. No entanto, os seus argumentos não convenceram o presidente Washington, que acabou por criar o chamado Primeiro Banco dos Estados Unidos.

Para Jefferson, o elitismo de Hamilton chocava de frente com o próprio conceito de “democracia”, pois defendia que “os  ricos,  os  sábios  e os bons” deveriam ter responsabilidades no exercício do poder mais relevantes do que o resto da população, que tendia a deixar-se levar por “paixões”. As posições opostas de ambos os políticos vieram ao de cima também quando as cabeças de Luís XVI e de Maria Antonieta rolaram no cadafalso. Hamilton considerou que a violência dos acontecimentos na França revolucionária confirmava a sua tese sobre como quão pernicioso poderia ser deixar as massas acederem ao poder; Jefferson, por seu lado, defendeu que o levantamento popular em França contra a monarquia absoluta não era mais do que a previsível consequência da luta contra a tirania e a favor dos direitos dos cidadãos. Na verdade, não  tinham sido essas mesmas razões que levaram as Treze Colónias a levantar-se contra Jorge III e o Parlamento inglês?

Sentido de Estado

Em 1796, com forças renovadas, Jefferson regressou à arena política, desta vez, como vice-presidente do gabinete de John Adams. O rumo dos acontecimentos no plano internacional por aqueles anos – os confiitos mantidos com a Grã-Bretanha e a França – fizeram aumentar o espírito belicoso por parte do governo, promovendo medidas que, para Jefferson e outros, colidiam com a liberdade pessoal e de consciência dos cidadãos americanos. As eleições de 1800 conduziram Thomas Jefferson à presidência norte-americana, cargo em que permaneceu até 1809. Para alguns especialistas, é possível falar de uma autêntica “revolução jeffersoniana”, pois, durante os oito anos em que permaneceu no poder, o terceiro presidente dos Estados Unidos deu uma reviravolta na política da nação. Para começar, propôs-se acabar com a intolerância que invadira a vida política norte-americana durante anos anteriores. A sua ideia era liderar um governo austero, reduzir impostos e a dívida pública, reduzir a dimensão do exército...

No entanto, o seu primeiro mandato ficou marcado pela aquisição do Louisiana a Napoleão, em 1803. Embora pudesse ter sentido que se tratava de uma acção um tanto déspota, que escapava às suas competências como presidente, Jefferson decidiu que era necessário apoderar-se desse território. Para ele, era claro que o futuro da nação passava por integrar todos os territórios que se encontravam dentro dos seus “limites naturais”.

O segundo mandato de Jefferson, por seu lado, esteve repleto de dificuldades. Além de não conseguir apoderar-se das terras pertencentes a Espanha, teve de enfrentar a conspiração do ex-vice-presidente, Aaron Burr, e o longo bloqueio britânico da costa. Em resposta a este último, decretou um embargo comercial como medida de pressão, mas apenas conseguiu gerar maior descontentamento entre alguns fazendeiros e comerciantes cada vez mais asfixiados. No final do seu mandato, o país estava mergulhado numa crise profunda, e ele, completamente exausto.

Thomas Jefferson

A UNIVERSIDADE DE VIRGÍNIA. Esta litografia de 1856 é dedicada à universidade fundada em Charlottesville por Jefferson, que interveio pessoalmente no seu projecto; ao fundo à esquerda, encontra-se Monticello, o lugar onde o ex-presidente viveu os seus últimos anos.

Retiro em Monticello

Afastado da vida política, Jefferson encontrou finalmente o tempo necessário para se poder dedicar aos seus, assumir as suas terras e, acima de tudo, passar horas e horas entregue à leitura. Em mais do que uma ocasião, ansiara por se refugiar na sua propriedade de Monticello, mas outros valores tinham-se sobreposto. Aquela fazenda era o seu paraíso particular, o lugar de retiro que ele próprio construíra. Depois de quarenta anos dedicados à política, Jefferson pôde voltar a sentar-se calmamente a escrever aos seus velhos amigos, tanto na América como na Europa; entre eles encontrava-se John Adams, com quem se reconciliara depois de muitos anos afastados.

Intelectualmente inquieto, como nos anos da sua juventude, Jefferson interessou-se pela educação. Considerava que o conhecimento era a base da virtude e da autonomia, pelo que promoveu uma campanha a favor de um sistema de educação geral na Virgínia. Convicto desta solução, em 1814 empreendeu o último grande projecto  da sua vida: a fundação da Universidade da Virgínia, cujos planos ele próprio desenhou, tal como já fizera anteriormente com outros projectos, dada a sua grande paixão pela arquitectura.

Rodeado por uma família que não parava de crescer – em 1811, nasceu o seu primeiro bisneto –, Jefferson dedicou-se a experiências botânicas, ao desenvolvimento de ferramentas, ao melhoramento da produtividade do solo e, quase até ao último dia, às observações da sua propriedade a cavalo.