A sala de Loja no Rito de York - Maçonaria e Maçon(s)
Ritos e Rituais

A sala de Loja no Rito de York

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Rito de York

Introdução

Quando nos deparamos com o estudo de perspectivas históricas é justo pensar que cada parte guarda no seu ser relações materiais e sociais que são legados de grupos formadores de tal organização, por isto, a visão historiográfica de uma entidade como a Maçonaria é calcada em tantas fracções materiais com uma gama de informações que devem ser reconhecidas.

Ao instigar o contexto de factos, locais e pessoas em diferentes momentos, notamos que estes irmãos meticulosamente coloca­ram mensagens e atribuíram informações em cada espaço, por necessidades, obriga­ções ou ainda para ocultar o que está des­coberto diante de todos.

As lojas ou as salas organizadas para tra­balho maçónico também nos indicam uma importante informação sobre o contexto de uso, de onde os antigos artífices da pedra retiraram tais elementos e por qual motivo ali estão sendo apresentados, as diferentes vertentes, tanto latina como saxónica dão-nos referencias de como se portavam e usavam os espaços para as suas reuniões.

Por isto devemos estudar tais fundamen­tações com o olhar para o passado, reconhecendo como eles estavam lá na origem das lojas, usando e colocando as suas impressões sobre o estudo dentro da Arte Real, e hoje ao analisar devemos reconhecer e resgatar tamanho empenho dentro de cada grupo.

A proposta deste trabalho é justamente elencar os grupos, actos e situações de criação do espaço de loja, claro, nos detemos no rito de York, este que é o nosso objecto de pesquisa, mas para uma salutar observação colocamos ao longo do texto informações sobre outros grupos que também se forma­vam e acabam formatando o espaço para as suas acções.

Por fim destacar elementos da sala no rito de York é um importante trabalho de reflexão sobre como pode e deve ser usado, quais elementos filosóficos estão ali dispostos e como podemos aprender com os desenvol­vimentos de actividades nesta sala que é tão rica em significados, e ao mesmo tempo tão pura e simples na sua formação.

O espaço físico da Loja

Em primeiro momento cabe des­tacar que o espaço de uso para tais reuniões foram sendo organizados de acordo com os trabalhos desenvolvidos pelos primeiros pedreiros, sim, aqueles que eram operativos, a necessidade de ter locais para descan­so e para as suas reuniões obrigava-os a manter sempre em funcionamento um deter­minado “território” de uso para estes trabalhadores. O espaço era frequentado por di­versos indivíduos, era normal que aos poucos fosse determinado quem e até onde poderiam adentrar em tal recinto, tudo para resguardar tanto os segredos das construções entre os comandantes das actividades quanto para coibir a entrada de intrusos que se poderiam apropriar dos conhecimentos do ofício.

O termo Loja já foi amplamente ex­plicado por vários pesquisadores, entre eles ISMAIL (2012) O termo “Loja”, na verdade, está directamente relacionado ao termo “alojamento”, no sentido de abrigar trabalhadores, sem qualquer re­lação com o sentido de estabelecimento comercial empregado à palavra “loja” na língua portuguesa actualmente.

Tais espaços deveriam ser inicial­mente colocados junto dos canteiros de obras para uso dos trabalhadores, segundo STEVENSON (2009) traba­lhavam protegidos do sol ou da chuva, mas também podiam comer, descansar e, em alguns casos, até viver tempora­riamente.

Outro pesquisador aponta também o uso do espaço para actividades que eram de descontracção ou para outros fins, COOPER (2009) cita um docu­mento de 1491, (“statue anent Masons of St. Gilles”), o qual determina que aos “mestres pedreiros” seja permitido “ter uma recreação na Loja comum”.

Por isto era importante a zona de uso junto aos espaços de construções, sendo então respeitado o seu uso tanto para guardar materiais de trabalho, ferramentas e ainda para reuniões e a própria convivência entre os trabalha­dores de tal edificação.

Sendo as Corporações de Constru­tores na Idade Média responsáveis pela estruturação de espaços como palácios, catedrais e outros era normal de se es­perar que aos poucos eles fossem incor­porando marcas e representações em tais obras, pois ficavam muito tempo executando as actividades de edificação que poderiam levar anos.

Ao final da Idade Média as corpora­ções sofrem uma ampla mudança, o ofí­cio de pedreiro observa que a demanda do mercado está em transformação, bem como as relações comerciais, deste ponto a maior parte dessas corporações foram influenciadas pelas alterações das condições do mercado da mão de obra e, gradativamente, alteraram as suas actividades e finalidades.

Quando se distanciaram do papel de representatividade das classes que congregavam e se encaminharam para modelos de entidades com fins assistenciais acabam recebendo outros irmãos para empreender novos rumos, nascendo aí a Maçonaria especulativa.

Ainda assim precisam de locais para manter o contacto, no caso da Inglaterra outra questão demanda cuidados, é justamente a relação entre o estudo prá­tico e a nova vertente filosófica, com as descobertas iluministas e o estudo sobre novas propostas e disciplinas, onde a Maçonaria abraça estes temas e permite uma profusão de conhecimento sem críticas ou dogmatismo para com o que chegam.

Aos poucos os irmãos vão deixando o espaço físico dos alojamentos (locais de trabalho nos canteiros de obras) para cada vez mais se reunir em ambientes com mais cuidados, onde poderiam também efectivamente estudar, divulgar e aprender sobre os termos filosóficos e toda ritualística empregada com des­crição e segurança.

No século XVII, admitidos em nome da contribuição cultural que podiam proporcionar, novos grupos de ofício se expandiram e os espaços modestos das reuniões realizadas nos anexos das obras foram abandonados e trocados por outros mais amplos, encontrados principalmente nas salas das tavernas, das cervejarias e das es­talagens.

As chamadas salas de lojas” (“lodge rooms”, em inglês), são assim chamadas em virtude do uso de quartos de pensio­natos, casas particulares ou ainda locais liberados para o encontro por grupos de comerciantes que notaram que após tais reuniões os irmãos se reuniam para jantar e consumir a sua bebida em grupo.

Os ingleses empregavam nas suas reuniões as salas de loja com as prer­rogativas de um espaço para debates, assim eles entendiam que tal local deveria funcionar dentro de uma liber­dade de acções e com amplos direitos de divulgação de ideias com protecção do contraditório, como era o parlamento do seu país, com uso livre da palavra.

Podemos notar esta confirmação em CASTELLANI (1991) onde indica que o modelo inglês desde o século XVIII adoptou e seguia os rumos do parla­mento britânico; talvez por isto não colocando ali naquele local emblemas com grandes caracterizações ou vários adereços, sendo o local de uso um es­paço “aberto” para o uso da realidade da razão em virtude da época.

No seu texto sobre a questão do espaço físico de loja MACKEY (1914) descreve assim:

Uma Sala da Loja deve sempre, se possível, estar devidamente situ­ada ao Oriente e ao Ocidente […] Também deve ser isolada, quando praticável, de edifícios circundantes, e sempre deve ser colocado numa andar superior […] O tecto deve ser elevado, dando dignidade à apa­rência da sala, bem como para fins de saúde, compensando, em certa medida, o inconveniente das janelas fechadas, o que necessariamente irá deteriorar a qualidade do ar em muito pouco tempo numa sala baixa.

Podemos notar que desde o período operativo e durante a época de transfor­mação para e movimento especulativo foram sendo alternados espaços, salas alugadas, antes canteiros de obras, de­pois espaço para debates sobre diversos temas, antes protecção dos conhecimen­tos da profissão, mas de qualquer forma era importante ter um espaço físico para realizar tais acções com o mínimo de cuidado e respeito pelos trabalhos.

Seguindo o nosso estudo vamos abordar a formação dos espaços e as suas características particulares, dentro da formação de diferentes grupos, tanto de origem inglesa quanto de origem fran­cesa, justamente para entender como os ritos e as ritualísticas são traçadas de acordo com a disposição dos materiais e a influência do meio em que se trabalha.

A sala e o templo

Algumas características são imedia­tamente observadas quando entramos em diferentes lojas maçónicas, normal­mente chamam o espaço da reunião de templo, esta é uma prerrogativa comum, porém devemos deter-nos na origem desta nomenclatura e observar que nem sempre para todos os ritos usamos tal palavra.

Os ritos de vertente Anglo-saxónica quando formados tentaram manter uma grande practicidade na execução dos trabalhos e também nos adereços de loja, é o caso dos Rito Schroeder e York e o Ritual Emulação, vamos então destacar alguns princípios que levam estes ritos a chamar o local de reunião de sala de loja.

Estes ritos empregam elementos que são destacados para uso em instruções, mas como podemos lembrar os locais para tais reuniões não eram próprios, por isto não deveriam deixar informa­ções ou elementos que ali estivessem empregados para trabalhos ou estudo filosófico.

Desta forma empregam os instru­mentos de trabalho do pedreiro como compasso e esquadro, mas também usam desenhos que pudessem apagar depois, bem como elementos ritualísticos ligados com a religião seguida pelos irmãos de tal localidade.

Nas salas empregadas para estes ritos o leste não é elevado, não colo­cavam colunas ou mobílias fixas para ornamentar os espaços, usavam velas para dar a indicação dos pilares e os ir­mãos ocupavam locais designados pelo venerável no momento dos trabalhos.

O Rito Schroeder guarda uma carac­terística maior ainda, usa como parte do seu trabalho um tapete que está inseri­do ali todos os elementos para trabalho em loja, sendo um recurso importante na época, assim não precisavam apa­gar os desenhos, não se usa painel de aprendiz (assim como no rito de York também não é empregado), e poderiam guardar tal peça depois das reuniões.

No Rito York notamos o emprego de elementos de canteiros de obras como as pedras, mas também o prumo e o nível que são jóias dos oficiais, assim poderiam passar instruções com uma correcta orientação e ao mesmo tempo somente carregar materiais que cabe­riam em caixa para uso em reuniões, sendo fácil a organização do espaço.

As formações de origem latina (França) como o REAA, Adonhiramita e o rito Moderno eram frequentemente organizados em locais com mais recur­sos, normalmente salas de igrejas, isto dá-se pela grande devoção e relação entre o Estado absolutista francês e o clero católico, o que não ocorria nos grupos saxónicos.

Os pedreiros trabalhavam na cons­trução do grande templo e na transição entre operativa e especulativa a Maçonaria aproveitou-se dos espaços, deste ponto podemos observar elementos la­tinos de uso nas igrejas para a formação do templo maçónico.

O oriente elevado, balaustrada, dos­sel, castiçais, estrados, sino, entre outros elementos, tudo se encontrava dentro do espaço e aos poucos vai ganhando significado ritualístico e filosófico para uso dos irmãos, até a nomenclatura (templo) provem desta importante relação do espaço onde eram feitas tais reuniões.

Um exemplo marcante é o uso do mar de bronze, este que é uma pia baptismal, também outro elemento marcante é justamente o uso das colunas que sustentavam tais construções, assim poderiam indicar nestas os elementos filosóficos para o ensino na medida que o irmãos iriam evoluindo nos seus trabalhos, ainda usavam castiçais da ordem religiosa para os seus trabalhos, sendo importante já que as horas de reunião eram distintas.

Uma outra observação importante que pode ser feita nesta grande relação de informações é que justamente os ritos e o uso dos espaços para trabalho sofreram influências de acordo com os períodos de actividade, basta para isto enumerar e relacionar algumas situações.

Enquanto os Ritos saxónicos são mais adeptos de espaços simplificados (não quer dizer menos organizados) para o trabalho, os Ritos de vertente la­tina são mais abastecidos de elementos para as suas acções em loja, criando assim significados dentro de cada rito.

Podemos então entender que pos­sivelmente a Maçonaria inglesa já funcionava com mais força num pe­ríodo pé especulativo, dando margem para uso de elementos mais ligados ao ofício, já a Maçonaria de cunho francês se organizou e manteve a sua ordem num período posterior, com ênfase nos elementos do espaço usado para estudo, criando assim a magnitude dos diferen­tes ritos, formando uma variedade de actividades, a primeira mais embasada na questão de trabalho e racional e a segunda numa ordem mais mística e no esoterismo.

Conclusão

A questão não se trata de simples­mente desconstruir espaços ou elencar artefactos, este estudo deixa claro que a grande organização para fins de Maçonaria pedia uma estrutura de acordo com aquilo que tinha em determinado período histórico, formalmente empre­gado para os seus fins equivalentes entre irmãos.

Inicialmente o espaço de alojamen­to servia tanto para descanso quanto para estudo e formação de actividades, depois com a entrada de uma vertente filosófica podemos identificar que tais elementos e locais são orquestrados devido ao que pedia a necessidade dos encontros e dos debates ali praticados.

O Rito de York emprega grandes relações filosóficas, e para isto o espaço era organizado, empregando desenhos, painéis ou ainda instrumentos de traba­lho, tudo deveria ser retirado e guarda­do ao final das actividades, logicamente porque os espaços eram alugados, ou ainda em salas de tavernas e casas de irmãos que sediavam tais reuniões.

O pavimento de mosaico (também hoje chamado Tapete do Mestre), a orla dentada, a estrela flamejante ou ainda a letra G poderiam ser desenhados e depois apagados, as pedras (bruta e po­lida) poderiam ser carregadas, também os instrumentos de trabalho, bastando para isto uma caixa, sem despertar atenção de curiosos.

Já as lojas de origem latina eram mais ornamentadas porque se valiam de espaços com mais configurações, sendo na França as catedrais um exemplo mais clássico para isto, desta forma era normal que os elementos fossem sendo incorporados na ritualística e acabam sendo determinados como elementos do espaço físico, a pia baptismal, colunas, espaço elevado, tudo isto representa uma finalidade que ainda hoje guarda significado da sua origem.

Outro aspecto que deve ser reve­renciado é justamente como o espaço ou a relação social que cercava os ir­mãos acabou por impulsionar a visão de organização ritualística, na vertente latina o cunho religioso, esotérico ou social está impregnado no espaço físi­co, como o uso da palavra pela ordem, movimentação e outros, já que veio de templos religiosos que eram usados para trabalho maçónico.

Mas a Maçonaria inglesa deteve-se nas questões de formação de um espaço mais liberal e com menos hierarquia relacionado ao pragmatismo, seguindo a formação do plenário do parlamento a ordem seguia uma regra mais lógica, racional e ainda a palavra se dava pela necessidade de acordo com o momento de cada irmão, bem como a mobília tornando-se mais frugal e com as relações filosóficas mais presas ao estudo do que ao elemento disposto ali no espaço físico.

Adriano Viégas Medeiros – ARLS Labor e Concórdia n° 146 – Rito de York – Or. de Lages

Bibliografia

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  • CASTRO. Boanerges Barbosa de, O Templo Maçónico e seu Simbo­lismo. Rio de Janeiro: Ed. Aurora, 1980.
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  • DYER. Colin F. W., O simbolismo na Maçonaria. São Paulo. Madras, 2010.
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  • ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.
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  • MACKEY, A. G. An Encyclopedia of Freemasonry and its kindred sciences. New York: The Masonic History Company, 1914.
  • Maçonaria Universal: http://www.glojars.org.br/maconaria-universal Acesso em 6 de Junho de 2020.
  • Ribeiro, J. G. da C. Ritual de Aprendiz – Rito de YORK / Grande Oriente de Santa Catarina, 2010.
  • STEVENSON, D. As origens da Maçonaria: O século da Escócia (1590-1710). São Paulo: Madras, 2009.
  • Webb, Thomas Smith. O Monitor dos Franco-Maçons. 1a Edição. 2017 – Salvador – BA: Curtipiu Publicações.

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One thought on “A sala de Loja no Rito de York

  • Excelente trabalho. Eu salientaria mais algo que foi abordado muito levemente no texto, que a configuração do local de reunião dos maçons no caso da maçonaria anglo-saxã está intimamente ligada às origens corporativas. As salas dos maçons ingleses é a sala da guilda (guild hall) que espelhava com sua distribuição horizontal, o respeito pela importância relativa de cada corporação ali representada. Essa mesma disposição vai influenciar as Casas do Legislativo britânico.
    Da mesma forma em que a House of Commons se compara aos salões de loja, também as igrejas se comparam aos “templos” maçônicos da maçonaria continental, onde o oriente da loja, separado do restante da loja compara-se ao presbitério das catedrais, a sala dos passos perdidos compara-se ao nartex, e assim por diante.
    É curioso lembrar que na igreja católica, o presbitério é reservado aos sacerdotes e auxiliares (os verdadeiros membros da igreja romana), e o povo (consumidor do produto salvação da alma) fica na nave central. Na maçonaria, o ingresso no Oriente também é privativo dos mestres, enquanto o “povo” fica na área comum da loja.

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