Os bispos portugueses da “metrópole” estavam reunidos em Fátima no dia 25 de abril de 1974. Interromperam o encontro para regressarem às respetivas dioceses. O episcopado emitiu uma primeira nota sobre a nova situação a 4 de maio de 1974, mas só a 13 de maio o grande público teve conhecimento da posição da Igreja. O próprio cardeal-patriarca de Lisboa presidiu à peregrinação internacional, que encheu o recinto. D. António Ribeiro defendeu a consolidação de um pluralismo político, a reconciliação e a “convivência cívica”, salientando que “liberdade não se identifica com libertinagem”.
Nos meses seguintes à revolução, as grandes concentrações de fiéis foram acompanhadas por forças militares na proximidade do santuário. Em outubro de 1974, circularam boatos sobre a alegada possibilidade de um atentado, para os quais terá contribuído a circulação de um panfleto da autoria de um grupo radical de esquerda. O santuário viu-se obrigado a emitir um comunicado a tranquilizar os peregrinos.
O reitor da altura, padre Luciano Guerra, contou que havia algum receio com o que pudesse ser dito nos microfones e, numa ocasião, dirigiu-se ao comandante do contingente militar posicionado perto do recinto a pedir que se afastassem mais. A população local confirma a presença frequente de forças militares naquela altura, mas “sem grande arsenal” ou aparato.
Estas histórias são recordadas numa reportagem especial da autoria do jornalista Joaquim Franco e emitida na TVI na noite do dia 13, segunda-feira, e na qual se reveem os dias da revolução no santuário de Fátima. Se as consequências na rotina dos crentes foram pouco significativas, as lideranças católicas e os responsáveis do santuário fizeram do local de devoção um púlpito para expor o olhar e as preocupações da Igreja.
Nos meses do “Verão Quente” de 1975, perante a incerteza política e com nacionalizações em marcha, o reitor assinou editoriais do Voz da Fátima, jornal oficial do santuário, sobre o comunismo. “Fátima será anti-comunista?”, perguntou num dos textos, defendendo que o problema dos regimes comunistas era o ateísmo: “O comunismo, onde já é senhor, é também ateu, ateu militante, oficialmente ateu.”
De janeiro a março de 1975, as autoridades do santuário decidiram esconder valiosas peças de ouro oferecidas ao longo de décadas pelos devotos. Foram enterradas em caixas, nas imediações do recinto, acompanhadas por um manuscrito assinado pelo próprio monsenhor Luciano, pelo ecónomo e pelo encarregado de pessoal, no qual se esclarecia que o ouro pertencia a Nossa Senhora, era “guardado por respeito para com a fé dos peregrinos e receio dos acontecimentos”. Parte deste espólio está hoje exposto numa ala do museu Luz e Paz, em Fátima.
Durante a guerra em África, o santuário recebeu milhares de cartas de fiéis dirigidas a Nossa Senhora, nas quais se clamava pela paz – uma reportagem que o 7MARGENS já publicou.
A visita do Papa Paulo VI em 1967 fora já um grito contra a guerra, sustentando setores católicos anti-regime. Ao reler essas cartas, há quem entenda que se tratava já de uma manifestação dos crentes contra a guerra e, por isso, de contestação ao Estado Novo. 1975 foi ainda um ano de grande agitação na localidade, com a chegada de retornados, acolhidos nas unidades hoteleiras. O Voz da Fátima fez um apelo ao acolhimento dos deslocados de África: “Os retornados de África são nossos irmãos”.