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Os pecados contra o Espírito Santo não têm perdão?

O Doutor Angélico esclarece, à luz da Escritura e da doutrina dos Santos Padres, uma questão de inegável interesse: a blasfêmia contra o Espírito Santo, pecado que Nosso Senhor caracterizou misteriosamente de “imperdoável”.

“Morte do pecador” - Basílica do Senhor do Bonfim, Salvador. Foto: Pedro Fábio

“Morte do pecador” – Basílica do Senhor do Bonfim, Salvador. Foto: Pedro Fábio

Redação (21/05/2024 09:36, Gaudium Press) São Marcos escreve: “Todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, mesmo as suas blasfêmias; mas todo o que tiver blasfemado contra o Espírito Santo jamais terá perdão, mas será culpado de um pecado eterno” (3, 28-29). São Mateus também escreve em termos semelhantes: “Todo pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será perdoada. Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro” (12, 31-32). Por fim, narra o Evangelista São Lucas: “Todo aquele que tiver falado contra o Filho do Homem obterá perdão, mas aquele que tiver blasfemado contra o Espírito Santo não alcançará perdão” (Lc 12, 10).

Ora, não foi o próprio Jesus quem ensinou a Pedro que para o perdão não há limites (cf. Mt 18, 21-22)? Como então pode existir uma espécie de pecado que seja, de si, imperdoável?

O tema é desenvolvido de forma brilhante por São Tomás de Aquino, em cujas obras encontramos uma minuciosa explanação aliada à visão teológica ampla e claríssima.

Dedicada propriamente à blasfêmia contra o Espírito Santo, a questão 14 da Secunda secundæ se insere no Tratado sobre a fé, e é antecedida por considerações a respeito da blasfêmia em geral, na questão 13. Nesta o Aquinate afirma que a blasfêmia em sua extrema manifestação, ou seja, a infidelidade acompanhada da aversão da vontade que detesta a honra divina, constitui o mais grave dos pecados. Partindo desse pressuposto, podemos então considerar aquele que, entre os mais graves pecados, logra ser o mais funesto.

Para São Tomás, a blasfêmia contra o Espírito Santo pode ser considerada por três prismas, a um só tempo diversos e correlatos, decorrentes das opiniões dos Padres da Igreja e de outros autores a respeito do tema.

Blasfêmia, impenitência e malícia

Em primeiro lugar, diz-se que há pecado contra o Espírito Santo quando contra Ele é proferida, literalmente, uma blasfêmia, quer seja considerando Espírito Santo como nome próprio da Terceira Pessoa da Trindade Santíssima, quer seja atribuindo-o como nome essencial de toda a Trindade, da qual cada Pessoa é espírito e é santa.

É por isso que a Sagrada Escritura distingue a blasfêmia contra o Espírito Santo da blasfêmia contra o Filho do Homem. Pois Nosso Senhor Jesus Cristo praticava atos próprios à humanidade, como se alimentar, pelos quais os judeus O injuriaram com calúnias, dizendo que Ele Se excedia no comer e no beber (cf. Mt 11, 19). Tal ofensa constituiu pecado contra o Filho do Homem, Jesus, no que se refere à sua humanidade santíssima. Todavia, o Redentor praticava também atos próprios à sua divindade, como expulsar os demônios e ressuscitar os mortos. E foi por terem blasfemado contra Cristo enquanto Deus que os escribas pecaram contra o Espírito Santo, pois atribuíram ao demônio o que pertence ao Criador, ao afirmarem: “É pelo príncipe dos demônios que Ele expulsa os demônios” (Mc 3, 22).

Sobre esta distinção, o Doutor Angélico menciona ainda um exemplo muito esclarecedor, tomado de Santo Atanásio. Enquanto caminhavam rumo à Terra Prometida, os filhos de Israel murmuraram repetidas vezes contra Moisés e Aarão pela falta de pão e de água, mas o Senhor suportou pacientemente essa falta, pois nela havia a desculpa da fraqueza da carne. Quando, porém, o mesmo povo fabricou um ídolo de metal fundido e a ele atribuiu os benefícios divinos – “Eis, ó Israel, o teu Deus que te tirou do Egito” (Ex 32, 4) –, Deus o puniu com severidade, permitindo que milhares de homens caíssem mortos no acampamento e ameaçando-os com um castigo futuro (cf. Ex 32, 34).

Numa segunda acepção, desta vez originária de Santo Agostinho, o pecado contra o Espírito Santo pode ser entendido como a própria impenitência final, pela qual alguém persiste na falta até a morte. E por que tal pecado levaria este nome? Porque é justamente pelo Divino Paráclito, Amor do Pai e do Filho, que a remissão dos pecados é operada. Assim, ao rejeitar o perdão divino, o pecador rejeita quem lho oferece: o próprio Deus.

São Tomás apresenta ainda um terceiro modo de se entender este gravíssimo pecado, mas sem mencionar o nome dos mestres aos quais se atribui o desenvolvimento do assunto.

Eis a explicação: assim como ao Pai é próprio o poder e ao Filho a sabedoria, ao Espírito Santo é própria a bondade. Em decorrência, podemos elencar também três categorias de pecado, cada qual dirigida especialmente a uma Pessoa da Santíssima Trindade: os de fraqueza, em oposição ao poder, contra o Pai; os de ignorância, em oposição à sabedoria, contra o Filho; e por fim os de malícia, em oposição à bondade, contra o Espírito Santo. Pecar contra a bondade e, portanto, contra o Paráclito, é pecar por malícia, por livre eleição do mal, ou seja, escolhendo-o conscientemente sem escusa alguma de fraqueza da carne ou ignorância da mente.

Um pecado de ódio a Deus

Resta, porém, a dúvida: por que o pecado contra o Espírito Santo é tido por irremissível e imperdoável?

Para respondê-la, analisemos ainda esta falta sob a terceira acepção enunciada por São Tomás. Se consideramos que o pecado de malícia é cometido pelo desprezo consciente dos efeitos do Espírito Santo na alma humana, chegamos à grave conclusão de que quem assim procede odeia a Deus.

Cabe aqui uma distinção. O mal do pecado consiste no afastamento de Deus, e isso pode dar-se de dois modos: de forma relativa, como ocorre nos pecados de luxúria ou de gula, nos quais o homem apetece um prazer desordenado que traz consigo o afastamento do Senhor como consequência necessária; e de forma voluntária e direta, como no caso do ódio a Ele. Assim, pela malícia que essa falta supõe, “o ódio contra Deus é por excelência o pecado contra o Espírito Santo”.

Espécies de pecado contra o Espírito Santo

Por sua vez, este pecado se divide em seis espécies, relacionadas com os meios de que o homem pode se servir para evitar as faltas ou para nelas permanecer.

Assim, o que primeiramente nos livra do pecado é a realidade do juízo divino, contra a qual dois erros se levantam: o desespero, contrário à esperança na misericórdia de Deus, e a presunção, que presume alcançar a glória sem méritos nem penitência das faltas e se opõe ao temor da divina justiça, que pune os pecados.

Podem também nos afastar do pecado os dons de Deus, como o conhecimento da verdade, contra o qual se levanta a impugnação da verdade, ou seja, a negação da verdade de Fé conhecida como tal, com o objetivo de se pecar mais livremente. Há igualmente o precioso auxílio da graça interior, eliminado pela inveja da graça fraterna, ou seja, daquela que age em nossos irmãos, pecado eminentemente diabólico, que leva o homem a se entristecer não só pelos benefícios espirituais concedidos a seu próximo, como pelo aumento da graça de Deus no mundo.

Por fim, a consideração do pecado pode servir ao homem como meio de afastamento do mal, seja por sua vileza e horror, que o apartam de Deus, seja pela mesquinhez dos bens transitórios que se alcançam através dele, o que deveria dificultar a fixação da vontade no pecado. Mas à consideração da miséria do pecado e da aversão de Deus se opõe a impenitência do coração, entendida como propósito deliberado de jamais se arrepender das faltas; e contra a meditação das exíguas vantagens do pecado se levanta a obstinação, pela qual o homem se apega firme e cegamente às próprias faltas e seus desprezíveis deleites.

Assim, a questão enunciada linhas acima encontra resposta adequada: a blasfêmia contra o Espírito Santo não é chamada de “irremissível” pelo fato de não poder ser perdoada jamais, mas sim por excluir efetivamente os meios que podem levar o homem a se arrepender e pedir perdão, do mesmo modo como uma doença que priva o enfermo das condições favoráveis à sua cura é dita incurável. “O pecado contra o Espírito Santo obstrui o caminho da graça, motivo pelo qual, se permanece o pecado contra o Espírito Santo, não há capacidade para a graça da parte de quem peca”, afirma o Aquinate.

Vigilância e confiança!

Sirva-nos a consideração deste gravíssimo pecado – o pior dentre todos – para que cresçamos na vigilância e na confiança.

Vigilância, pois nada de grande se opera em um instante. Sucessivas infidelidades, dureza de coração, desprezo pela prática da Religião… Tudo isso pode, com o passar do tempo, levar qualquer homem a cometer os mais graves pecados.

E confiança porque, nas palavras do Doutor Angélico, “o pecado contra o Espírito Santo diz-se irremissível por sua natureza, enquanto exclui os meios que levam à remissão dos pecados. Entretanto, isso não fecha a via do perdão e da cura pela onipotência e misericórdia de Deus, pela qual, às vezes, quase miraculosamente tais pecadores são espiritualmente curados.” Se nem o pior dos pecados consegue pôr limites à bondade do Todo-Poderoso, como podemos desconfiar de seu amor por nós?

Mas também não podemos nos iludir, julgando que todos os homens são bons e alcançam o perdão das próprias faltas sem o devido arrependimento de seus pecados. Os impenitentes não alcançarão nem perdão, nem a vida eterna. Pelo contrário, pagarão por sua iniquidade nas chamas eternas, pois ninguém se salva sem que o deseje. Aquele que quer permanecer no pecado não pode almejar a glória futura.

Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 269, maio 2024. Por João Paulo de Oliveira Bueno.

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