5 perguntas-chave para entender sucesso da nova ofensiva russa na Ucrânia

Um soldado ucraniano inspecionando um edifício destruído em Vovchansk

Crédito, GEORGE IVANCHENKO/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto, Um soldado ucraniano inspeciona um edifício destruído em Vovchansk

Milhares de ucranianos deixaram suas casas no nordeste do país depois que as tropas da Rússia cruzaram a fronteira, tomando pelo menos nove vilarejos e ameaçando a cidade de Vovchansk.

A Ucrânia retirou suas tropas destes vilarejos na região de Kharkiv, a segunda maior cidade do país, que Kiev conseguiu recuperar no outono de 2022.

Os soldados ucranianos foram suplantados pelo poder de fogo inimigo e deslocaram-se para "posições mais favoráveis" em duas áreas da região nordeste, disse um porta-voz militar — o que indica uma retirada.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, cancelou suas viagens ao exterior, enquanto as tropas do país lutam para conter a nova incursão pela fronteira, com várias cidades e vilarejos sob forte artilharia.

Zelensky ordenou o adiamento de "todos os eventos internacionais previstos para os próximos dias" e o agendamento de novas datas, segundo seu secretário de imprensa, Sergiy Nykyforov.

Em paralelo, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reafirmou na quarta-feira (15/05) em Kiev o apoio do seu governo à Ucrânia, ao final de uma visita de dois dias.

Blinken também anunciou um pacote adicional de US$ 2 bilhões em financiamento militar para a Ucrânia, que vai ajudar o país a reforçar sua defesa em um momento que classificou como "crítico".

Mapa mostra as regiões tomadas pelos russos na Ucrânia

A ofensiva nos arredores de Kharkiv é considerada um dos ataques terrestres mais significativos desde o início da invasão russa da Ucrânia em 2022.

E isso acontece mais de um ano e meio depois de as tropas ucranianas terem recuperado o controle desta região, que havia sido tomada pelos russos.

As autoridades de Kiev e muitos especialistas estavam prevendo esta ofensiva, o que leva à seguinte pergunta: por que o Exército russo conseguiu avançar com tanta facilidade?

1. O que está acontecendo?

As tropas russas lançaram sua ofensiva na sexta-feira (10/5), atravessando a fronteira no nordeste da Ucrânia e espalhando-se em várias direções.

Nos dias que se seguiram, capturaram vilarejos, e o Exército russo avançou entre cinco e seis quilômetros no território ucraniano, em uma linha de fronteira de 100 quilômetros de extensão, segundo o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps.

Já o Exército ucraniano afirmou que havia "repelido o inimigo" dos arredores da cidade de Vovchansk e mencionou alguns "sucessos táticos".

Em comunicado divulgado na noite de segunda-feira (13/5), disse que a Rússia havia perdido mais de 100 soldados só naquele dia.

De acordo com David Gendelman, especialista militar israelense, o objetivo do Exército russo era criar uma "zona de segurança" contínua ao longo da fronteira com a Ucrânia.

Crianças ucranianas em sala de aula improvisada nos túneis do metrô de Kharkiv

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Crianças ucranianas em sala de aula improvisada nos túneis do metrô de Kharkiv, onde tiveram aula durante a ofensiva russa

2. Por que a Ucrânia não estava mais bem preparada?

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O presidente russo, Vladimir Putin, havia mencionado o conceito de "zona tampão" durante um discurso em março, e a imprensa ocidental havia especulado nos últimos dois meses sobre um possível ataque na região, por isso não foi algo inesperado.

Também em março, o comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, disse à agência de notícias nacional do país que suas tropas tinham um histórico de sucesso no que diz respeito à defesa de Kharkiv.

"Se os russos voltarem para lá, Kharkiv se tornará uma cidade fatal para eles", advertiu, na ocasião.

No entanto, alguns oficiais militares explicaram que quando o ataque ocorreu, a primeira linha de defesa (entre 1,5 e 6 quilômetros da fronteira russa) não estava adequadamente fortificada.

Segundo eles, os campos minados, as trincheiras antitanque e os "dentes de dragão" — barreiras de concreto à prova de veículos blindados — deveriam ter retardado a movimentação do inimigo.

O general Oleksandr Yakovets, chefe do Serviço Especial de Transporte do Estado, explicou que os bombardeios constantes tornaram impossível reforçar a linha de frente.

Ele acrescentou que quando a nova ofensiva começou, os combatentes ucranianos foram forçados a recuar vários quilômetros, o que permitiu à Rússia ocupar os vilarejos na fronteira.

Nos últimos dias, também houve uma mudança de comando, o que alguns interpretam como um sinal de que a defesa da região de Kharkiv não estava preparada.

O general Mykhailo Drapatyi foi nomeado como novo comandante responsável pela região, no lugar de Yuriy Halushkin.

"Eles não mudam de comandante sem mais nem menos", avalia o especialista militar israelense David Gendelman.

"Isso significa que havia deficiências."

3. Foi culpa do atraso na ajuda internacional?

Policial armado conversando com mulher sentada em Vovchansk.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Um policial ajuda uma moradora local durante a operação de retirada em Vovchansk

A Ucrânia tem pedido armas e ajuda militar aos seus aliados globais há meses.

"Realmente parece que o mundo cochilou desta vez", afirmou o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps.

Ele acrescentou que "isso iria acontecer por causa dos atrasos na obtenção do que precisavam".

Agora, a situação começou a mudar. Em abril, após um ano de debate político, os Estados Unidos aprovaram um pacote de ajuda militar de US$ 61 bilhões (R$ 310 bilhões) que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descreveu como "vital".

Em fevereiro, a União Europeia anunciou um acordo para liberar 50 bilhões de euros (R$ 280 bilhões) para a Ucrânia, depois de a Hungria ter suspendido o veto à medida.

Entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2024, a Alemanha forneceu armas e equipamentos no valor de R$ 55 bilhões à Ucrânia, enquanto o Reino Unido enviou o equivalente a R$ 29 bilhões em ajuda militar.

4. Por que esta ofensiva é importante?

Especialistas acreditam que este ataque colocou em evidência que a Ucrânia está "na defensiva", lutando por uma região que já havia recuperado, enquanto esgota ainda mais seus recursos.

O general britânico Richard Shirreff, ex-subcomandante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acredita que é hora de uma "mudança fundamental na estratégia".

Ele afirma que a atual estratégia do Ocidente de fornecer à Ucrânia apenas recursos "suficientes" para se defender, a impediu de ser bem-sucedida.

"Não se pode travar uma guerra com uma mão amarrada nas costas. A melhor forma de defesa é o ataque, e a Ucrânia não vai recuperar território a menos que seja capaz de desenvolver uma capacidade ofensiva significativa, e isso leva tempo", avalia.

"O que a Ucrânia precisa mais do que qualquer outra coisa é de tempo; e o que os russos estão tentando fazer é negar tempo à Ucrânia."

Shapps ecoou este pensamento, afirmando que avanços poderiam ser feitos se "todos dessem as caras e fornecessem à Ucrânia o que ela precisava" em termos de pacotes de ajuda.

"É uma questão de vontade política, e a minha simples mensagem para o mundo, e em particular para os Estados Unidos, é que é muito mais barato se defender, e assim dissuadir Putin aqui e agora, do que permitir a ele vencer."

5. O que pode acontecer agora?

Zelensky inspecionando fronteira

Crédito, Presidência da Ucrânia

Legenda da foto, Zelensky inspecionou fortificações perto da fronteira na região de Kharkiv em abril

A inteligência ucraniana acredita que há cerca de 30 mil soldados russos na região de Kharkiv.

A maioria dos analistas militares acha que o número é demasiado pequeno para que uma operação em grande escala ataque ou cerque esta cidade, onde vivem cerca de um milhão de pessoas.

Gendelman acredita que há uma "névoa" na guerra, e que as intenções da Rússia não estão claras, mas pode ser que seja capturar a cidade de Vovchansk, na fronteira nordeste do país.

O Exército russo está bombardeando ativamente as pontes da região, tentando acabar com as rotas de abastecimento das tropas ucranianas e isolar a zona de combate.

As autoridades russas não deram qualquer declaração sobre a abertura de uma nova frente.

No entanto, em 11 de maio, em sua atualização diária, o Ministério da Defesa russo disse que havia "libertado" — ou seja, ocupado — cinco povoados na região de Kharkiv.

O historiador e especialista militar Mikhail Zhirokhov acredita que a recente nomeação do general Mykhailo Drapatyi para comandar a região de Kharkiv, também pode representar uma mudança na abordagem de defesa na área.

Ele observou que várias novas brigadas ucranianas foram designadas para a região — e que algumas unidades anunciaram publicamente seu envio para lá.

Mas advertiu:

"Transferir ainda mais reservas operacionais para esta direção pode ser arriscado."