Adorável e encantador, o filme que deixará seu dia mais leve está na Netflix Divulgação / Memento Films

Adorável e encantador, o filme que deixará seu dia mais leve está na Netflix

Sonhos precisam de romantismo para vicejar. Uma garota romântica, daquele romantismo que passa a fazer parte de tudo quanto se acha de realmente precioso na vida, deixa a música e o calor de Berkeley para morar de favor com uma amiga num conjugado. Poderia haver felicidade maior para alguém disposto a abraçar todas as oportunidades que se lhe apresentarem na intenção de, pulando da cama antes do raio de sol que rompe a manhã e antes mesmo que cantem os passarinhos que tem a alvorada por reino, desarmar espíritos sem medo de dobrar a espinha e chegar lá?

Sendo bastante sintético, essa é a história de Joanna Smith Rakoff, a aspirante à escritora que protagoniza “Meu Ano em Nova York” e tenta manter o nariz acima da linha da água na selva do mercado literário americano — depois de, com algum sacrifício, conseguir furar a bolha de egos túrgidos das personagens megalômanas que atravessam seu caminho. Sem querer reinventar a roda, o canadense Philippe Falardeau não tenta reinventar a roda, mas ainda assim (ou por isso mesmo) compõe um relato pleno de lirismo e franqueza dos golpes de sorte e desventura de Rakoff, aproveitando também para tecer comentários sutis, mas mordazes, acerca do maravilhosamente ruinoso jeito americano de viver.

No fim da década de 1990, Rakoff, que era então só Joanna, havia terminado há pouco um mestrado em literatura, e tinha de trabalhar para continuar em Nova York e manter acesa a chama de sua metamorfose pessoal. Falardeau destaca que a moça tem talento para vir a ser uma artista de renome, mas que precisa submeter-se a um emprego meramente burocrático, até braçal, pela necessidade dos trezentos dólares ao cabo da semana. Não poderia haver atriz mais adequada para o papel de uma heroína sofrendo na carne a dureza das questões terrenas, a exemplo de alimentação e moradia, que Margaret Qualley.

As composições de Qualley para essas jovens meio perdidas, que precisam contar apenas com seu aguçado instinto de sobrevivência, têm sido um bálsamo em meio à onipresença de mulheres fatais — no cinema e na vida —, como se assiste em joias raras do audiovisual deste século a exemplo da série “Maid” (2021), idealizada por Molly Smith Metzler, e do merecidamente aclamado “Era Uma Vez… em Hollywood” (2019), de, claro, Quentin Tarantino. E “Meu Ano em Nova York” confirma: a indústria cinematográfica, com seus filmes cult ou malditos, acerta em cheio ao apostar em personagens como Joanna. O desempenho de Qualley vai muito mais longe do que gostariam uns e outros realizadores, em sua meta insana, mas compreensível, de não erguer demais o sarrafo.

O título original desperta no público especulações quanto à entrada de Jerome David Salinger (1919-2010) em cena. O maior cliente da agência que emprega Joanna, também conhecido por sua misantropia e pela surdez que o leva a chamá-la de Suzanna em passagens de humor entre infantil e saboroso — e, ah!, por ter escrito “O Apanhador no Campo de Centeio” (1951), sua obra máxima —, não passa de um vulto, aparecendo de costas a dada altura, mas isso, definitivamente, não é um problema.

Duas reviravoltas dão ao longa um pouco mais de ritmo, a primeira na travessia do primeiro para o segundo ato, com uma Sigourney Weaver sempre endiabrada na pele de Margaret — infernizando a vida de uma subalterna como fazia com Melanie Griffith em “Uma Secretária de Futuro” (1988), do grande Mike Nichols (1931-2014). A outra, voltada para a força de Joanna vale sozinha os 101 minutos de projeção. Douglas Booth surge bissextamente e irreconhecível como Don depois de encarnar o músico Nikki Sixx em “The Dirt – Confissões do Mötley Crüe” (2019), dirigido por Jeff Tremaine.


Filme: Meu Ano em Nova York
Direção: Philippe Falardeau
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Comédia/Romance
Nota: 8/10