Livros verdes do século XIX escondem um segredo venenoso - SIC Notícias

Mundo

Livros verdes do século XIX escondem um segredo venenoso

O projeto "Livro Venenoso" tem vindo a identificar os livros verdes do século XIX que têm um pigmento tóxico que lhes dá essa cor.

Livros verdes do século XIX escondem um segredo venenoso

É melhor começar a procurar na sua biblioteca: livros verdes do século XIX não são inofensivos. Não é pelo seu conteúdo escrito, mas é exatamente pelo facto de serem verdes que podem ser venenosos. Os cientistas explicam.

Como uma reminiscência do romance de Umberto Eco "O Nome da Rosa", há livros venenosos nas bibliotecas pelo mundo.

No século XIX, o “verde Schweinfurt” ou “verde Paris”, um pigmento sintético (composto de acetato de cobre com trióxido de arsénico, produzindo acetoarsenito de cobre) era usado para fazer capas de livros. Esta técnica, utilizada principalmente nos países anglo-saxónicos e na Alemanha, confere às obras uma cor verde esmeralda, muito apreciada na altura.

A presença deste pigmento nas encadernações de livros do século XIX só foi recentemente descoberta. Um programa de investigação germano-americano chamado Poison Book Project (Projeto Livro Venenoso) tem vindo a identificar os livros em questão. A grande maioria dos conhecidos até agora está nos Estados Unidos, mas já foram detetados em França e na Alemanha.

Até 4 de maio de 2024 já tinham sido identificados 313 livros com arsénico.

“Verde Schweinfurt” ou “verde Paris” - uma cor linda de morrer

O arsénico era valorizado pelo tom verde que conferia aos tecidos entre as décadas de 1790 e 1880 - chamado “verde Schweinfurt” ou “verde Paris”. Este pigmento foi utilizado principalmente nos países de língua inglesa e na Alemanha, mais raramente em França, em tecidos que depois cobriam livros ou mobiliário, era usado em vestuário ou papel de parede.

Quem manuseia com frequência estes objetos, como os bibliotecários ou os investigadores, pode acidentalmente inalar ou ingerir partículas que contêm arsénico, cujos efeitos incluem letargia, tonturas, diarreia e cólicas estomacais. Em contacto com a pele, o arsénico pode provocar lesões e irritações. Os casos graves de envenenamento por arsénico podem dar origem a insuficiência cardíaca, doença pulmonar, disfunção neurológica e – em situações extremas – morte.

Biblioteca Nacional de França colocou livros em quarentena

No final de abril, a Biblioteca Nacional de França colocou em quarentena quatro livros do século XIX decorados com arsénico, após a análise de um lote de 28 volumes sob suspeita, para evitar qualquer risco deste produto tóxico.

“Estas obras foram colocadas em quarentena e serão sujeitas a análises adicionais por um laboratório externo destinado a avaliar a quantidade de arsénio presente em cada volume”, indicou a instituição.

Estes quatro livros têm em comum o facto de terem sido impressos no Reino Unido e raramente foram consultados: são dois volumes de baladas irlandesas recolhidas por Edward Hayes em 1855, uma antologia bilingue de poesia romena de Henry Stanley de 1856 e uma coleção de obras da Sociedade Real Britânica de Horticultura de 1862-1863.

A Biblioteca de França indicou que está a "investigar outros livros com capa verde além da lista do Poison Book Project”.

Na Alemanha, desde março que as bibliotecas públicas iniciaram uma vasta investigação para encontrar livros assim e têm agora dezenas de milhares de análises para realizar.

Conselhos práticos no caso de encontrar um livro verde

Primeiro não entre logo em pânico. Era preciso comer um livro verde inteiro para sofrer um envenenamento grave por arsénico. No entanto, a exposição esporádica ao acetoarsenito de cobre, o composto do pigmento verde, pode irritar os olhos, nariz e garganta.

Se encontrar um livro suspeito, pode solicitar ao Poisonous Book Project o envio de um marcador de livros com a cor verde tóxica - não será exatamente igual à do livro mas ajuda a fazer o despiste, juntamente com outras provas.


Outras "cores perigosas"

O verde não é a única cor perigosa, o vermelho e o amarelo também preocupam o Poison Book Project. O vermelho brilhante do pigmento escarlate é formado a partir do mineral cinábrio, também conhecido como sulfureto de mercúrio, muito utilizado para tinta vermelha que remonta a milhares de anos. Há até provas de que artistas do neolítico sofreram envenenamento por mercúrio.

Nos livros, este pigmento escarlate é utilizado nos padrões que parecem mármore no interior das capas.

No que respeita ao amarelo, o culpado é o cromato de chumbo que torna o amarelo brilhante, o favorito dos pintores, principalmente de Vincent van Gogh, que o utilizou na sua série de pinturas "Girassóis". Para os encadernadores da era vitoriana, o cromato de chumbo permitiu-lhes criar uma gama de cores desde verdes (conseguidos pela mistura de amarelo de cromo com azul da Prússia) amarelos, laranjas e castanhos.

Tanto o chumbo como o crómio são tóxicos. Mas os livros amarelos são menos preocupantes do que os verdes e vermelhos. O cromato de chumbo não é solúvel, dificultando a absorção. Na verdade, ainda é um pigmento muito utilizado.


"Girassóis" de Vincent van Gogh, à esquerda de 1888, à direita de 1889, na National Portrait Gallery em Londres,
Matt Dunham


Últimas notícias
Mais Vistos
Mais Vistos do