Junio Barreto amadurece o eu lírico plural em "O Sol e o Sal do Suor"; ouça e leia a crítica - Folha PE
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Junio Barreto amadurece o eu lírico plural em "O Sol e o Sal do Suor"; ouça e leia a crítica

A poética do compositor, apesar de cosmopolita, guarda lugar para suas raízes

O tempo e o esmero com a escrita tornam o pernambucano Junio Barreto um compositor de lançamentos espaçados, mas sempre certeiros. Treze anos após do seu último álbum, “Setembro” (2011), e duas décadas depois do seu trabalho de estreia homônimo “Junio Barreto”, (2004), o artista apresenta nas plataformas digitais o disco “O Sol e o Sal do Suor”, projeto que amadurece sua poesia na busca de uma identidade de gênero aberta a qualquer coração que queira recebê-lo.

“Foi um exercício muito bacana escrever as letras do disco. Acho que reflete muito o meu momento de agora. É um pouco do entendimento em relação à pluralidade da palavra na construção da música, e sobre ampliar as possibilidades de vozes de quem cantá-la. Também foi bom eliminar os artigos de gêneros ela, ele, dele, dela... sobretudo os de dor e solidão que contemplavam o eu lírico masculino”, detalha o artista. 

A única canção do álbum que foge a essa nova abordagem é "Mamãe quer meu amor", em homenagem à mãe do compositor. As demais não se limitam a personagens masculinos ou femininos, mas sim a sentimentos universais. 

Junio Barreto, apesar de cosmopolita, guarda lugar para raízes profundas em sua poética. Sua origem está bem situada geograficamente nos versos de "Nordeste Oriental": "sou da América do Nordeste oriental", onde o artista se posiciona no mundo e para o mundo.

Das 10 canções do álbum, nove são autorais, exceto "Coração Preto", de autoria de Beto Viana e Nana Carneiro da Cunha, que traz uma imagem que dialoga com o ideário do compositor. "Eu quero ser a agulha pra tocar na fresta escura do disco de vinil que é o seu coração preto", divaga a letra repleta de imagens sensoriais.

Compositor de ofício
Natural de Caruaru, o artista vive em São Paulo há mais de 20 anos. No hiato desde o último álbum, ele teve suas canções gravadas por nomes como Gal Costa, Maria Rita, Céu, Nação Zumbi, Lenine, Roberta Sá, Otto e Alaíde Costa. Dividiu o palco com ícones como João Donato, Lenine, Maria Rita, Nação Zumbi, Otto, Jorge Mautner, Elza Soares, Seu Jorge e Tom Zé.

As canções de Junio foram parar em obras como a peça “Os Sertões”, do Teatro Oficina de Zé Celso Martinez; e em filmes como “Árido Movie”, de Lírio Ferreira; ”Febre do Rato”, de Claudio Assis; e “Deserto Feliz”, de Paulo Caldas; além de integrar as trilhas das novelas “Louco por Elas” (2012) e “Onde Nascem os Fortes” (2018). Faltava, porém, uma sequência da sua discografia autoral, que chega agora em um trabalho primoroso de arranjos e composição, com letras que revelam a influencia da literatura brasileira e aos dizeres do agreste e do sertão.

Celebração à vida
Com produção do próprio artista em parceria de Rovilson Pascoal e Marcus Preto, o álbum traz uma estética solar para contrapor as mazelas humanas dos últimos anos, com conflitos armados e pandemia impactando o mundo. “Apesar de estarmos em guerra sempre, apesar de tanta loucura, é uma celebração da vida. Quando me vi vulnerável na época da pandemia, nesse apartamento, durante dois anos sem saber o que seria da vida, depois que você sai, tem que celebrar a vida, não existe coisa maior do que a vida. E eu acho que essa foi a maior inspiração do disco”, conta Junio.

“Pensei num disco dançante, um disco feliz. Tínhamos saído de situações difíceis e pra esse disco eu fiquei pensando em passar mensagens boas, de felicidade. Eu não quero a palavra tristeza, eu não quero a palavra solidão, eu não quero a palavra dor nesse disco. Eu quero vida”, comenta.

Para compartilhar essa celebração musical, o artista convidou parceiros de longos anos como Pupillo, Thomas Harres e Mestre Nico e novas parcerias com a nova geração, a exemplo de Matheus Câmara (Entropia-Entalpia), filho do cantor e compositor pernambucano Chinaina, que agregou elementos da música eletrônica ao trabalho.

Ouça:

O amor diverso
A poesia, na obra de Junio Barreto, busca pontos de encontro. “Já acontecia nas minhas letras falar dos sentimentos de forma universal, escrever coisas que as pessoas sentem em qualquer lugar do mundo, continuo falando disso, mas nesse disco tudo é mais amplo”, explica o artista. 

“Quando eu canto: ‘Cá de mim, ter o seu amor me faz melhor, dele crer no amor do amor sereno", versos de "Estrela do Norte", podemos cantar esse amor para um irmão, uma amiga, um pai, um dog, uma planta, e até para uma pessoa por quem sentimos uma atração sexual; o que falo é sobre essa forma de escrever e dar um sentido mais amplo a palavra, e que está presente em todo o disco”, reflete.

A leitura e a audição
Para apurar sua composição, Junio encontrou duas fontes: a literatura e a observação das pessoas e como elas se comunicam. Ler os grandes autores e escutar as vozes nas ruas deu ao artista um repertório de linguagem e conteúdo.

“A leitura sempre foi muito importante pra mim, principalmente a literatura brasileira, a literatura latino-americana. Mas eu tô sempre muito atento também aos falares, que o povo fala na rua, eu uso termos assim o tempo todo. Termos como, por exemplo, na canção 'Só no Amor Existimos', que diz ‘eu tenho o amor de encontrar, o amor de bem muito’, Então, são coisas assim, por ser para escutar na rua. E eu sempre trago isso porque deixa essa poesia, essa forma da escrita mais contemporânea, mais nova”, descreve.

A volta ao estúdio
“Os amigos começaram a falar, cara, você tem que gravar agora, tem que gravar, grava, grava! Um deles foi Otto, ele foi sempre muito generoso e me falou sobre três estúdios. Ele disse que eu não tinha nenhuma reação quando ele falava, mas aí quando ele falou do [estúdio] Parede e Meia, de Rovilson Pascoal, que é um querido amigo gigante, com paciência, um grande guitarrista, o dono desse estúdio. Então, quando ele falou em Rovilson eu disse, ‘vamos fazer lá!”, lembra Junio. 

“Ele pagou a primeira sessão do estúdio e aí começamos. Marília Viana, que é a nossa produtora, também sempre deu uma força. Todas essas pessoas amigas e eu acho que a partir disso eu comecei a chamar os músicos queridos e eu comecei a compor”, recorda. 

O consumo da música
"Eu sou do tempo do compacto, do compacto do simples, do compacto do duplo, que era um e só vinha uma música do lado, uma música do outro. Hoje é tudo muito rápido, cara. Essa pressa é muito louca, né? Mas eu senti muita necessidade de ter um disco todo, um disco todo novo. Eu creio que as pessoas escutam aos poucos também, não é? Descobrem uma música, aí daqui a pouco tempo, escutam outra música, descobrem…”, avalia.

“Eu acho que o álbum acaba também fazendo esse papel. E também nessa parada do estímulo, que as músicas vêm tão soltas, né? Você escuta uma coisa, escuta outra, é uma escolha de cada um, uma escolha muito particular. Por isso que a gente pensa em fazer um vinil no segundo semestre, porque eu acho que só o vinil hoje em dia consegue dar essa sequência do álbum”, diz o artista.

Discografia
Em 2004, lançou seu primeiro álbum solo, “Junio Barreto”, do qual se destacou sobretudo a faixa “Santana”, que fez grande sucesso e ganhou regravações célebres. Em 2007, lançou o EP “Junio Barreto”, com três faixas. Produzido por Pupillo (Nação Zumbi), o segundo álbum, “Setembro”, veio quatro anos depois, em 2011. 

O disco contou com participações de Céu, Luisa Maita, Seu Jorge, Vítor Araújo, Gustavo Ruiz, Apollo 9, Orquestra Experimental de Cordas de Olinda, Mombojó, Fábio Trummer e Marina de La Riva. Em 2015, compôs para “Estratosférica”, álbum de estúdio de Gal Costa, as canções “Jabitacá” e “Estratosférica”. A própria cantora regravaria ao vivo as duas composições.

Canções na voz de Gal  
O compositor pernambucano se orgulha de ter suas músicas cantadas pela cantora Gal Costa. Primeiro, em 2004, com a canção “Santana”. Depois, em duas músicas então inéditas de Junio Barreto no álbum Estratosférica (2015), Jabitacá (Junio Barreto, Bactéria e Lira) e a canção-título Estratosférica (Céu, Pupillo e Junior Barreto).

“Ser gravado por Gal Costa foi uma das coisas mais belas para a minha vida. Até hoje, quando eu penso, me emociono, porque para mim ela é uma das maiores cantoras do mundo. Então, é uma honra muito grande ter uma canção, uma letra muito encantada, gravada por Gal Costa, por Alaíde Costa agora, que também gravou, né?

Faixa a faixa (por Junio Barreto)

1 - “Vida, Vida, Vida, Vida” 
Foi a primeira canção feita para o disco, foi a primeira que gravamos também, o nome foi batizado por Lavínia Alves, cantora e atriz baiana, pela alusão e contemplação à vida. É um baião com elementos eletrônicos. A canção fala de um recorte de um dia bonito, de quando se encontra o que é precioso e marca o momento e o coração com uma tinta indelével. 

Nas percussões Mestre Nico dita o tempo da canção; Thomás Harres com seus brinquedos eletrônicos fez as batidas e programações; Fábio Sá, assume baixo e sintetizador, enquanto Chicão faz contrapontos melódicos, no piano de parede, com as guitarras de Rovilson Pascoal.

2 - “Nordeste Oriental”
É uma subdivisão geográfica do Nordeste brasileiro, engloba os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará; na canção, contemplo esse lugar de amor, e canto, exalto para um amor na Sudamerica. Matheus (Entropia) na programação, percussões, violão, sintetizador e Rovilson Pascoal guitarra.

3 - “Ata-me”
É uma canção que fala da permissão do corpo ao prazer, da explosão química, das reações e das sensações desse corpo durante o amor. É um baião, pra dançar. Tem a bateria de Pupillo; percussões e bombardino de Mestre Nico; trompete de Gui Calzavara; teclado de Chicão e guitarra e glockenspiel de Rovilson Pascoal.

4 - “Mamãe quer meu Amor”
É uma canção que fiz para minha mãe e que se estende a todas as mães. Fala do amor incondicional, do alcance das conquistas, belezas e felicidade que cada uma deseja para suas crias. Nas percussões do Mestre Nico tem um Maracá que felicita e abençoa esse amor, dita o ritmo de toda a canção. Juntam-se a essa maravilha, a frenética bateria de Thomas Harres; as guitarras dedilhadas, riffs e solos de Rovilson Pascoal; o baixo de Fábio Sá e os sintetizadores de Chicão.

5 - “Coração Preto”
Música de Beto Viana e Nana Carneiro da Cunha. Me apaixonei pela canção desde o primeiro momento que escutei, no disco fiz uma versão mais nordestina, tem uma batida do Brega pernambucano com elementos da pisadinha e para construir esse batuque todo chamamos a baiana Michelle Abu, que faz a bateria e percussões. Gui Calzavara no trompete e Rovilson Pascoal guitarra base, solo, baixo e sintetizador.

6 - “Estrela do Norte”
Com música e letra escritas pelo próprio artista, o single do álbum tem a dança como foco essencial. Não à toa, a banda segue em ação por quase dois minutos após o final da letra, em grandes performances instrumentais. “Quando ‘Estrela do Norte’ surgiu, a ideia sempre foi de uma música dançante, solar. 

Quando eu estava compondo, primeiro veio a melodia com os arranjos de sopros, só depois veio a letra, que fala da celebração do amor, do encontro com quem nos faz melhor, e dos momentos em que seguimos vivos a cada revolução do sol”, diz o compositor de Caruaru. Junio conta que o título da canção surgiu da junção de duas memórias estelares. 

A primeira, uma reportagem que leu em uma revista antiga sobre uma chuva de asteroides que cairia para os lados do Norte. E a segunda, a do momento, ainda na infância, em que soube que o asterisco era o sinal gráfico em forma de estrela. “Daí veio a visão lúdica da chuva de asteriscos (estrelas) para os lados do Norte: Estrela do Norte”, explica. 

“Estrela do Norte é uma dessas músicas que eu sempre quis fazer e me senti muito feliz com a sonoridade e resultado final da música.” A banda reunida para a faixa conta com Rovilson Pascoal (guitarra e synths); Entropia - Entalpia (programação, synths e percussão); Pupillo (bateria); Pedro Dantas (baixo); e o próprio Junio Barreto (percussão). Os metais ficaram a cargo de Marcelo Monteiro (sax barítono, sax tenor e flauta) e Amílcar Rodrigues (trompete e euphonium). A foto da capa do single “Estrela do Norte” é de Hugo Sá, do Mormaço Estúdio.

7 - “Só no Amor Existimos”
É uma canção de contemplação do amor, onde falo que só através desse amor é que existimos. Dançante e solar a música tem na bateria e programações Thomas Harres. Programação, sintetizador e efeitos de Matheus (Entropia); teclados Chicão; baixo de Fábio Sá; guitarra de Rovilson Pascoal e percussões de Mestre Nico.

8 - “Tú Deixa de ser isso Não”
É uma canção dançante que fala do amor de um coração em calmaria. Matheus (Entropia) nas programação, percussões, violão, sintetizador e Rovilson Pascoal nas guitarras. 

9 - “Feixes”
É uma canção dançante que fala de um amor fluido, do encontro abrasador, da paixão e de como na liquidez perene de um rio esse amor escapole na maré, formando o mar. Bateria, programação e efeitos de Samuel Fraga; baixos, sintetizador de Marcelo Cabral e guitarra De Rovilson Pascoal.

10 - “Concórdia do Coração”
Uma canção lenta, feita a pedido do produtor musical Marcus Preto, fala da maravilha e do gostoso perigo de viver um grande amor. Violão, violão 12, mellotron e guitarra Rovilson de Pascoal.

 

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