Putin visita Xi Jinping: entenda por que a China e a Rússia estão mais próximas do que nunca - Estadão

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Putin visita Xi Jinping: entenda por que a China e a Rússia estão mais próximas do que nunca

A reunião desta semana entre os líderes da China e da Rússia marca outro momento-chave no aprofundamento das relações entre as duas potências

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Por Redação
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O líder da Rússia, Vladimir Putin, chegou a Pequim para se reunir com o presidente da China, Xi Jinping, nesta semana. A visita marca um aprofundamento da relação entre os dois países, já classificado pelos dois presidentes como “uma aliança sem limites”, a fim de reforçar os esforços conjuntos para contrapor uma ordem global liderada pelos EUA.

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A viagem ocorre pouco mais de uma semana depois que Xi visitou a Europa pela primeira vez em cinco anos e recusou-se a usar sua influência para pressionar Moscou a encerrar sua guerra contra a Ucrânia. Além de fornecer apoio diplomático, a China tornou-se uma linha vital para a economia à medida que a Rússia lida com sanções ocidentais.

Xi e Putin compartilham a visão de uma ordem mundial “multipolar”, na qual países liderados pela China e Rússia podem operar por um conjunto de regras diferente das estabelecidas pelos Estados Unidos e outras democracias liberais.

“Rússia e China vão concentrar fortemente suas narrativas nas falhas do Ocidente e, em particular, dos EUA, mesmo que não sejam nomeados diretamente”, disse Meia Nouwens, pesquisadora sênior de política de segurança e defesa chinesa no International Institute for Strategic Studies, um think tank com sede em Londres.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma cerimônia na Praça Tiananmen, em Pequim, China  Foto: Sergei Bobylyov/AFP

Logo após a visita de Xi à Europa, a viagem de Putin “sinaliza que Pequim não mudou sua visão sobre seu relacionamento bilateral com a Rússia, apesar dos apelos consistentes dos líderes europeus para que a China interrompa seu apoio à economia de guerra da Rússia e à indústria de defesa”, acrescentou Nouwens.

Putin estará na China até sexta-feira e visitará Pequim e a cidade do norte de Harbin, próxima à fronteira com a Rússia, disse o serviço de mídia do Kremlin. Os dois líderes “terão uma troca substantiva de pontos de vista sobre os assuntos globais e regionais mais prementes”. As negociações terminarão com a assinatura de uma declaração conjunta dos chefes de Estado e uma série de documentos bilaterais, disse o serviço de mídia.

O encontro entre Xi e Putin será o primeiro desde a viagem do líder chinês ao Kremlin em março de 2023, quando os dois líderes juraram aprofundar a cooperação política e econômica sino-russa. Putin e Xi também se encontraram em outubro, quando o líder russo, entre outros, viajou a Pequim para marcar 10 anos da Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como “a nova rota da seda”, o principal projeto estrangeiro e econômico de Xi.

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O presidente da China, Xi Jinping, deu as boas vindas ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Pequim, China, nesta quinta-feira, 16  Foto: Sergei Bobylev/AP

Esta semana, espera-se que os dois reforcem sua parceria “sem limites”, declarada poucas semanas antes da invasão. A China é agora um dos únicos parceiros comerciais remanescentes da Rússia e amigos no cenário global.

A importância da China para a Rússia cresceu exponencialmente desde a invasão de 2022 — como compradora de energia russa, como fonte de componentes que podem ser usados na produção militar e como parceira diplomática, fornecendo apoio tácito para uma guerra que matou centenas de milhares de civis e soldados.

Reconfinguração da ordem global

Putin e Xi compartilham uma causa comum em seu objetivo de reconfigurar o poder global e acabar com a dominação dos Estados Unidos nos assuntos mundiais. Embora a China tenha divulgado um plano de paz vago e pedido o fim da guerra na Ucrânia, não expressou críticas fortes à invasão não provocada da Rússia e à apreensão de território — ambas claras violações da carta da ONU.

À medida que a Rússia lança novas operações ofensivas na Ucrânia, ela busca estabilizar as relações do país com a China, incluindo comércio e energia, disse Zhao Minghao, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Fudan, em Xangai.

“Para Putin, enfrentando pressão dos Estados Unidos e países ocidentais, ele deve garantir essa parceria estratégica com a China”, disse Zhao, acrescentando que a parceria é igualmente crucial para a China.

Alexander Gabuev, analista da Rússia e China no Carnegie Russia Eurasia Center, disse que Moscou agora avalia todos os seus laços externos com base na guerra e no benefício de qualquer relação dada em sua postura cada vez mais hostil em relação ao Ocidente.

O presidente da China, Xi Jinping, brinda com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Kremlin, em Moscou, Rússia  Foto: Pavel Byrkin/AP

“A guerra se tornou o princípio organizador da política externa de Putin”, afirma Gabuev. “Ele agora avalia cada relacionamento através de uma lente de três considerações: se essa relação pode ajudar no campo de batalha na Ucrânia; se pode ajudar a sustentar a economia russa e contornar as sanções, se pode ajudar Moscou a se contrapor ao Ocidente e punir os Estados Unidos e seus aliados por apoiarem Kiev”. A China, ele observou, preenche todos os três requisitos para a Rússia.

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O comércio da China com a Rússia atingiu um recorde de US$ 240 bilhões em 2023 — um aumento de 63% em relação a 2021, antes da invasão, e alcançando uma meta planejada para 2024. Durante esse tempo, as exportações de eletrônicos chineses necessários para a produção de sistemas de armas guiadas com precisão viram um aumento significativo, mostram dados da alfândega chinesa.

Mas os fluxos comerciais aumentaram em ambas as direções. A Rússia se tornou no ano passado o maior fornecedor de petróleo da China, pois Pequim aproveitou seus preços com desconto. As sanções ocidentais significam que a Rússia tem relativamente poucos grandes clientes restantes.

Com o isolamento da Rússia e a perda da Europa como seu principal mercado para venda de gás e óleo, a Rússia voltou-se para a China e a Índia como seus principais clientes. No entanto, a Gazprom, gigante estatal russa do gás, relatou suas primeiras perdas em décadas nas últimas semanas, aumentando a urgência de Moscou em assinar um acordo de gás há muito adiado com a China chamado Power of Siberia 2.

Sede da Gazprom, estatal de petróleo e gás da Rússia, em Moscou  Foto: Natalia Kolesnikova/AFP

O gasoduto Power of Siberia 2, uma vez construído, exportará gás dos campos da Península de Yamal, no oeste da Sibéria, atravessando a Mongólia oriental até o norte da China, ao longo de mais de 2.500 quilômetros.

Espera-se que transporte 50 bilhões de metros cúbicos de gás para a China, o maior consumidor de energia do mundo. Mas a China tem adiado um acordo final, negociando duramente o preço do gás. Se um acordo for alcançado, espera-se que a construção do gasoduto comece este ano; no entanto, o gás não fluirá até o final da década.

Pequim importou 107 milhões de toneladas de petróleo cru russo em 2023, um aumento de 24% em comparação com 2022, disse este mês Zhang Hanhui, embaixador chinês em Moscou, a Rossiya Segodnya, um grupo de mídia controlado pelo estado russo.

“[Esta visita] demonstra que a confiança mútua entre a China e a Rússia atingiu um novo ápice na história”, disse Wang Yiwei, diretor do Instituto de Assuntos Internacionais da Universidade Renmin em Pequim.

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Dada a visita programada a Harbin na província nordeste de Heilongjiang, na China, os dois líderes podem discutir medidas focadas no desenvolvimento econômico ao longo da região da fronteira do Extremo Oriente, disse Wang. “Há muito potencial para colaboração econômica entre a China e a Rússia”, acrescentou Wang.

Putin também pode usar essa visita à Ásia para cumprir uma promessa de visitar o líder norte-coreano Kim Jong Un, que viajou ao Extremo Oriente da Rússia no ano passado para um raro encontro presencial com Putin e chamou as relações com a Rússia de sua principal prioridade. Kim prometeu total apoio a Putin e ao seu governo em meio à guerra na Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontra com o líder supremo da Coreia do Norte, Kim Jong Un  Foto: Vladimir Smirnov/AP

A cooperação militar entre a Rússia e a Coreia do Norte intensificou-se desde a invasão, com Pyongyang supostamente fornecendo a Moscou munição muito necessária e outras armas para reabastecer seus estoques reduzidos para a guerra na Ucrânia.

A Coreia do Norte, que também enfrenta uma série de sanções internacionais relacionadas ao seu programa nuclear e de armas, quer mostrar que está ao lado da Rússia diante do isolamento econômico liderado pelos EUA. Putin visitou Pyongyang pela última vez em 2000, quando se encontrou com Kim Jong Il, pai do atual líder.

China e Rússia são aliadas?

China e Rússia não são aliados formais, o que significa que não se comprometeram a se defender com apoio militar. Mas os dois países são parceiros estratégicos muito próximos, uma relação que se aprofundou durante a guerra na Ucrânia, quando a Rússia se isolou cada vez mais de muitos outros países.

As autoridades chinesas disseram que o relacionamento atual está em uma “alta histórica”. A parceria é alimentada por um objetivo comum de tentar enfraquecer o poder e a influência dos EUA.

A relação entre a China e a Rússia nem sempre foi tão calorosa. Os dois lados foram adversários ferozes na década de 1960 e se enfrentaram em 1969 por causa do território disputado ao longo de sua fronteira, aumentando os temores na época de um confronto nuclear entre os dois países.

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Os dois também competem por influência na Ásia Central, uma região que o Kremlin há muito vê como seu território, mas que está se tornando cada vez mais importante para as ambições geopolíticas e econômicas da China.

Pequim está construindo mais ferrovias, rodovias e oleodutos em ex-repúblicas soviéticas como Casaquistão e Usbequistão, que ainda contam com a Rússia como um parceiro de segurança crucial.

Estátua de um imperador chinês em Heihe, nas proximidades do Rio Amur, que separa a China da Rússia  Foto: Gilles Sabrie/NYT

Quão próximos estão Xi Jinping e Vladimir Putin?

Pouco antes do início da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022, Xi e Putin declararam publicamente que o relacionamento de seus países “não tinha limites”.

Xi muitas vezes descreveu Putin como “seu melhor amigo”. Durante um fórum econômico na Rússia em 2018, os dois fritaram panquecas russas e tomaram doses de vodca juntos. No aniversário de 66 anos de Xi em 2019, Putin o presenteou com um bolo e uma caixa gigante de sorvete.

Em um artigo publicado em um jornal chinês, Putin disse que os dois tiveram o “relacionamento mais caloroso”, observando que eles se encontraram cerca de 40 vezes nos últimos anos e sempre tiveram tempo para conversar em eventos “sem gravata”.

Qual é a relação econômica entre Rússia e China?

Os laços econômicos entre a China e a Rússia se fortaleceram significativamente desde a primeira invasão russa da Ucrânia em 2014, quando Putin anexou a Crimeia.

Na época, a China ajudou a Rússia a escapar das sanções impostas pelo governo de Barack Obama, que deveriam cortar o acesso da Rússia aos mercados globais.

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Após sanções mais duras contra a Rússia depois do início da guerra na Ucrânia no ano passado, a China ajudou a fornecer muitos dos produtos que a Rússia comprava de países aliados ocidentais, incluindo chips de computador, smartphones e matérias-primas necessárias para equipamentos militares.

O comércio total entre a Rússia e a China aumentou 34% no ano passado.

O que Putin quer da China?

Putin precisa da China para ajudar a fortalecer sua economia, que foi atingida por sanções ocidentais. Para o líder russo, a China tornou-se cada vez mais uma tábua de salvação para investimentos e comércio.

Depois que os países ocidentais restringiram suas compras de petróleo bruto e gás natural russo no ano passado, a China ajudou a compensar o declínio comprando mais energia da Rússia.

No começo da guerra na Ucrânia, a Rússia pediu à China equipamento militar e assistência econômica, segundo os EUA. Autoridades americanas disseram recentemente que a China está considerando fornecer armas à Rússia para uso na Ucrânia, uma alegação que a China negou.

A China se absteve de condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, embora a política externa da China esteja baseada nos princípios de soberania e integridade territorial. Embora a China tenha se retratado como uma parte neutra na guerra da Ucrânia, ela endossou as narrativas russas, culpando os EUA e a OTAN por iniciar o conflito.

Um casal passa de bike elétrica pela embaixada da Rússia em Pequim, China  Foto: Andy Wong/AP

Mas a China também hesitou em dar todo o seu apoio à Rússia. A turbulência e a instabilidade decorrentes da guerra podem ameaçar o crescimento da China e complicar seus esforços para fortalecer laços econômicos em todo o mundo.

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Em setembro passado, depois que Putin e Xi se encontraram pessoalmente, Putin reconheceu que a China havia expressado “dúvidas e preocupações” sobre a guerra na Ucrânia.

O que Xi quer da Rússia?

Xi quer que Putin se junte a ele como um aliado no confronto contra o domínio hegemônico dos EUA e do Ocidente. Em um artigo publicado em um jornal russo na segunda-feira, antes da visita, Xi disse que a China e a Rússia precisam cooperar para superar os desafios à sua segurança, incluindo “atos prejudiciais de hegemonia, dominação e intimidação”.

Xi adotou uma postura mais dura contra o que chama de “esforço americano para conter a ascensão da China”, retratando a China como uma nação sitiada - assim como Putin fez em discursos para os russos.

Xi pediu às indústrias chinesas que reduzam sua dependência da tecnologia ocidental e saudou o crescimento da China como prova de que ela não precisa adotar os valores políticos ocidentais.

A China tem comprado armas mais avançadas da Rússia para modernizar suas Forças Armadas, e as duas nações aumentaram seus exercícios militares conjuntos.

No ano passado, quando o presidente Biden estava visitando Tóquio, China e Rússia enviaram bombardeiros pelos mares no nordeste da Ásia como uma demonstração de força. / NYT, W.POST, AP e AFP

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