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Protesto violento na cidade americana de Minneapolis, promovido pelo movimento Black Lives Matter em 2020..
Protesto violento na cidade americana de Minneapolis, promovido pelo movimento Black Lives Matter em 2020.| Foto: Wikimedia Commons

Herbert Marcuse, Angela Davis, Paulo Freire e Derrick Bell. Para o escritor e ativista conservador Christopher F. Rufo, estas figuras estão por trás da combinação de marxismo e identitarismo que dominou (de forma lenta, porém eficaz) o pensamento contemporâneo.

Esse é o ponto de partida do livro ‘Revolução Cultural Silenciosa: Como a Esquerda Radical Assumiu o Controle de Todas as Instituições’, em que Rufo traça um perfil dos quatro intelectuais e militantes citados acima e mostra a evolução da ideologia esquerdista – do radicalismo estudantil dos anos 1960 até o movimento antirracista global surgido em 2020.

Leia a seguir um trecho introdutório da obra, que acaba de ser lançada no Brasil pela editora Avis Rara.

Em 1975, em Nova York, o dissidente soviético Alexander Soljenítsin discursou para um grupo de líderes sindicais e denunciou a radical norte-americana Angela Davis, que se tornara um símbolo do comunismo internacional e da revolução violenta contra o Ocidente.

Durante esse período, o governo soviético havia disseminado propaganda em massa celebrando Davis como figura de importância histórica mundial e instruindo milhões de crianças em idade escolar a enviar cartões e flores de papel para ela.

“Em nosso país, ininterruptamente por um ano, não se falava de mais nada a não ser Angela Davis”, disse Soljenítsin.

Porém, essa campanha se baseava em uma mentira. Os soviéticos tinham criado um Estado escravagista global, com uma rede de gulags, masmorras e campos de prisioneiros que se estendiam de Vladivostok a Havana; o próprio Soljenítsin passara oito anos suportando prisões, torturas e trabalhos forçados.

Mas Davis seguiu a linha propagandística. Em 1972, durante uma turnê pela União Soviética, ela elogiou seus anfitriões pelo tratamento que dispensavam às minorias, e denunciou os Estados Unidos por sua opressão aos “prisioneiros políticos”.

Contudo, segundo Soljenítsin, durante um encontro não programado, um grupo de dissidentes tchecos abordou Davis com um apelo.

“Camarada Davis, você passou algum tempo na prisão, por isso sabe como é desagradável ficar presa, principalmente quando se considera inocente. Com toda a autoridade que tem agora, você poderia ajudar nossos prisioneiros tchecos? Você poderia defender essas pessoas na Tchecoslováquia que estão sendo perseguidas pelo Estado?”

Davis respondeu com frieza: “Eles merecem. Que fiquem na prisão”.

Para Soljenítsin, nesse momento, tudo ficou claro. Davis encarnava o espírito da revolução de esquerda: o sacrifício do ser humano em favor da ideologia.

O compromisso dela com as grandes abstrações – libertação, liberdade, humanidade – era uma farsa. “Essa é a cara do comunismo”, ele disse. “Essa é a essência do comunismo para você.”

Posteriormente, a União Soviética entrou em colapso, e muitos norte-americanos consideraram resolvida a questão da revolução de esquerda.

Ela se mostrara desastrosa em todos os lugares onde fora tentada – Ásia, África e América Latina. O mundo aprendera a lição, acreditava-se, e superara as promessas de Marx, Lênin e Mao.

Mas não foi assim. Embora a revolução cultural de esquerda tivesse se autodestruído no Terceiro Mundo, ao longo do tempo ela encontrou uma nova morada: os Estados Unidos.

Essa nova revolução foi construída pacientemente nas sombras, e após a morte de George Floyd na primavera de 2020 irrompeu na cena norte-americana.

De repente, a antiga narrativa de Angela Davis apareceu em toda parte: os Estados Unidos eram uma nação irremediavelmente racista; os brancos constituíam uma classe opressora permanente; o país só poderia ser salvo por meio da realização de rituais de culpa elaborados e da subversão completa de seus princípios fundamentais.

Todas as instituições formativas – universidades, escolas, empresas e órgãos governamentais – repetiam o vocabulário da revolução como um mantra: “racismo sistêmico”, “privilégio branco”, “diversidade, equidade e inclusão”.

Enquanto isso, nas ruas, multidões de manifestantes de esquerda expressavam a ideologia de forma física, derrubando estátuas de Washington, Jefferson e Lincoln e incendiando quarteirões inteiros das cidades.

Repentinamente, a questão da revolução de esquerda foi reaberta. Como isso aconteceu? De onde vieram essas ideias? Quem foi responsável pelo caos?

Para responder a essas perguntas e compreender as vertiginosas mudanças culturais que assolaram os Estados Unidos – a captura das instituições norte-americanas, a revolução nas ruas do movimento Black Lives Mattter, a disseminação da ideologia racialista na educação pública e a ascensão da burocracia da “diversidade, equidade e inclusão” – é preciso voltar a suas origens.

A história da revolução cultural nos Estados Unidos começa em 1968, enquanto o país enfrentava uma longa temporada de protestos estudantis, tumultos urbanos e violência revolucionária que proporcionaram o modelo para tudo o que aconteceu depois.

Nesse período, os intelectuais de esquerda desenvolveram uma nova teoria da revolução no Ocidente, e seus discípulos mais dedicados publicaram panfletos, detonaram bombas caseiras e sonharam em pôr fim ao Estado.

A aspiração deste livro é revelar a história da revolução cultural americana, traçando a trajetória de seu desenvolvimento desde o ponto de origem até os dias atuais.

A obra está dividida em quatro partes: revolução, raça, educação e poder. Cada parte começa com um perfil biográfico dos quatro profetas da revolução: Herbert Marcuse, Angela Davis, Paulo Freire e Derrick Bell.

Essas figuras criaram as disciplinas de teoria crítica, práxis crítica, pedagogia crítica e teoria crítica da raça, que, no meio século subsequente, multiplicaram-se em uma centena de subdisciplinas e engolfaram as universidades, as ruas, as escolas e as burocracias.

Em conjunto, eles representam a gênese intelectual da revolução. Suas ideias, seus conceitos, sua linguagem e suas táticas moldaram a política do presente e agora a permeiam.

Herbert Marcuse foi o filósofo proeminente da chamada Nova Esquerda, que procurou mobilizar a intelligentsia branca e os guetos negros e convertê-los em um novo proletariado.

Angela Davis foi uma das alunas de pós-graduação de Marcuse; após se comprometer a pôr fim violentamente ao Estado, ela se tornou a face da revolta racial no Ocidente.

Paulo Freire era um marxista brasileiro cujo trabalho em transformar escolas em instrumentos da revolução se tornou o evangelho da educação de esquerda nos Estados Unidos.

Derrick Bell foi um professor de direito de Harvard que estabeleceu as bases para a teoria crítica da raça e recrutou um grupo de estudantes que capturariam as instituições de elite com sua nova ideologia racialista.

Durante a década de 1970, os grupos mais violentos da coalizão da Nova Esquerda – o Weather Underground Organization, o Partido dos Panteras Negras e o Exército de Libertação Negra – se desfizeram, mas o espírito de sua revolução se manteve sob uma forma mais sutil, porém, igualmente perigosa.

Enquanto Soljenítsin revelava a falência dos movimentos comunistas no Ocidente, os ativistas e os intelectuais mais sofisticados da Nova Esquerda criavam uma nova estratégia, a “longa marcha através das instituições”, que levou seu movimento das ruas para as universidades, escolas, redações de jornais e burocracias.

Eles desenvolveram teorias complexas ao longo das linhas de cultura, raça e identidade, e as inseriram silenciosamente em toda a gama de instituições de produção de conhecimento dos Estados Unidos.

Nas décadas seguintes, a revolução cultural iniciada em 1968 se transformou, de maneira quase invisível, numa revolução estrutural que mudou tudo.

As teorias críticas, primeiramente desenvolvidas por Marcuse, Davis, Freire e Bell, não foram criadas para funcionar como meras abstrações. Elas foram criadas como armas políticas e orientadas para a tomada do poder.

Conforme os discípulos da Nova Esquerda ganhavam terreno nas grandes burocracias, eles promoviam a revolução por meio de um processo de negação implacável, que roeu, mastigou, esmigalhou e desintegrou todo o sistema de valores que veio antes dele.

E sua estratégia foi engenhosa: a captura das instituições norte-americanas foi tão gradual e burocrática que, em grande medida, passou despercebida do público norte-americano, até irromper na consciência após a morte de George Floyd.

Atualmente, a revolução cultural americana atingiu o estágio final. Os descendentes da Nova Esquerda concluíram sua longa marcha através das instituições e implantaram suas ideias nos currículos escolares, na mídia de massa, nas políticas governamentais e nos programas de recursos humanos das empresas.

Seu conjunto básico de princípios, inicialmente formulado nos panfletos radicais do Weather Underground e do Exército de Libertação Negra, foi tornado menos ofensivo e adaptado para a ideologia oficial das instituições de elite dos Estados Unidos, desde a Ivy League [confrerência esportiva formada por oito universidade de elite norte-americanas] até as salas de diretoria de empresas como Walmart, Disney, Verizon, American Express e Bank of America.

As teorias críticas de 1968 se converteram numa espécie de moralidade substituta: o racismo é elevado ao princípio máximo; a sociedade é dividida num binarismo moral grosseiro entre “racistas” e “antirracistas”; e uma nova lógica burocrática é necessária para se pronunciar sobre a culpa e redistribuir riqueza, poder e privilégio.

Para impor essa nova ortodoxia, os ativistas de esquerda criaram departamentos de “diversidade, equidade e inclusão” em todo um estrato de burocracias públicas e privadas.

Os aliados são recompensados com status, cargos e empregos. Os dissidentes são humilhados, marginalizados e enviados para o exílio moral.

A revolução cultural norte-americana culminou com o surgimento de um novo regime ideológico, inspirado nas teorias críticas e administrado mediante a captura da burocracia.

Embora as estruturas políticas oficiais não tenham mudado – ainda há um presidente, um legislativo e um judiciário –, toda a subestrutura intelectual se modificou.

As instituições impuseram uma revolução de cima para baixo, realizando uma reversão moral completa e implantando uma nova camada de “diversidade, equidade e inclusão” em toda a sociedade.

Ninguém votou a favor dessa mudança; ela simplesmente se materializou de dentro para fora.

O objetivo final ainda é revolucionário: os ativistas de extrema esquerda querem substituir os direitos individuais por direitos baseados em identidade de grupo, pôr em prática um modelo de redistribuição de riqueza baseado em raça, e censurar a liberdade de expressão com base em um novo cálculo político e racial.

Eles querem uma “ruptura total” com a ordem existente. Felizmente, apesar de seu ataque bem-sucedido através das instituições, a revolução tem seus limites.

A esquerda política pode ter conseguido desmascarar e deslegitimar a velha ordem – as teorias críticas substituíram a mitologia da Fundação da nação norte-americana pela moralidade da “diversidade, equidade e inclusão”, que se tornou o novo sistema operacional das instituições de elite.

Mas a revolução não é capaz de escapar das contradições fundamentais que a têm atormentado desde seu início.

O movimento intelectual que começou em 1968 conseguiu iniciar o processo de desintegração dos antigos valores, mas não pôde construir um novo conjunto de valores para substituí-los.

Em vez disso, o apelo da Nova Esquerda para cometer “suicídio de classe” e renunciar ao “privilégio branco” desencadeou uma torrente de narcisismo, culpa e autodestruição.

Os atos de terrorismo do Weather Underground e do Exército de Libertação Negra lhes custaram o apoio popular e levaram a uma reação imediata.

Os estudantes radicais acabaram abandonando a revolução armada e se transformaram em acadêmicos ativistas e burocratas em busca de patrocínio.

A mesma dinâmica se mantém hoje em dia. Os descendentes da Nova Esquerda capturaram as instituições de elite, mas não conseguiram reorganizar as estruturas mais profundas da sociedade.

A guerra de negação não soube proporcionar o mundo futuro. Em vez disso, produziu um mundo de fracasso, exaustão, ressentimento e desespero.

As universidades perderam o antigo télos de conhecimento, trocando-o por um conjunto inferior de valores orientados para identidades pessoais e patologias.

O ressurgimento da violência de rua com motivação política promovido pelo movimento Black Lives Matter – em si uma reencarnação tosca do Partido dos Panteras Negras – causou estragos nas cidades norte-americanas.

As escolas públicas absorveram os princípios da revolução, mas foram incapazes de ensinar habilidades rudimentares de leitura e matemática.

A teoria crítica da raça carrega todas as falhas do marxismo tradicional e as amplifica com uma narrativa do pessimismo racial que subjuga a própria possibilidade de progresso.

No espaço de 50 anos, a revolução cultural lentamente tirou sua máscara e revelou sua cara feia: o niilismo.

A ansiedade que se espalhou por todos os cantos da vida norte-americana é totalmente justificada: o cidadão comum pode sentir que um novo regime ideológico foi estabelecido nas instituições que proporcionam a estrutura para sua vida social, política e espiritual.

De maneira intuitiva, ele entende que apelos a um novo sistema de governança baseado em “diversidade, equidade e inclusão” são um pretexto para instituir uma ordem política hostil a seus valores, mesmo que ele ainda não possua o vocabulário para perfurar a casca do eufemismo e descrever sua essência.

A aspiração deste livro é abrir os olhos do cidadão comum, revelando a natureza das teorias críticas, apresentando os fatos acerca do novo regime ideológico e preparando o terreno para se revoltar contra ele.

Este livro formulará as questões que existem sob a superfície da revolução cultural. Será que o povo quer uma sociedade igualitária ou uma sociedade de vingança?

Será que vai trabalhar para transcender o racismo ou para consolidá-lo? Será que deve tolerar a destruição em nome do progresso?

Embora possa parecer que a revolução cultural nos Estados Unidos tenha entrado num período de predominância, o espaço entre suas ambições e seus resultados deixou aberta a possibilidade de reversão.

O fato é que a sociedade baseada nas teorias críticas não funciona. A revolução não é um caminho para a libertação – é uma jaula de ferro.

Em resumo, este é um trabalho de contrarrevolução. A premissa básica é que os inimigos da revolução cultural devem começar a enxergar as teorias críticas e a “longa marcha através das instituições” com um olhar atento.

Eles devem ajudar o cidadão comum a entender o que está acontecendo a seu redor e mobilizar o imenso reservatório de sentimentos públicos contra as ideologias, leis e instituições que buscam tornar a revolução cultural uma característica permanente da vida norte-americana.

A missão do contrarrevolucionário não é apenas deter o movimento de seus adversários, mas ressuscitar o sistema de valores, símbolos, mitos e princípios que constituíam a essência do antigo regime, restabelecer a continuidade entre passado, presente e futuro, e tornar os princípios eternos da liberdade e da igualdade significativos novamente para o cidadão comum.

Essa contrarrevolução já se encontra em formação e demarcando o território para a luta que está por vir. A questão agora é qual visão dos Estados Unidos prevalecerá e qual visão retornará ao vazio.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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