Se tem alguém na indústria que tem no currículo um sucesso após o outro, é Jim Carrey. O comediante virou queridinho do público ainda durante a década de 1990, e até hoje continua sendo um dos maiores ídolos que o cinema já teve. Entre 30 e tantos títulos no currículo, o artista não tem muitas reclamações; foram sucessos que moldaram a comédia e o drama contemporâneos, de fato. Entretanto, há um filme que o próprio alega ter se 'arrependido' de fazer, por causas complexas. As razões do astro acabaram até por dar o que falar entre os colegas de cena.
Pode até ser difícil de lidar, principalmente para os mais ávidos fãs do duo de filmes de Mark Millar, mas Carrey não curte sua participação em 'Kick-Ass 2'. O filme de 2013 deu continuidade à trama comicamente violenta iniciada em 2010, quando o ainda jovenzinho Aaron-Taylor Johnson deu vida a Dave Lizewsky, um fã de histórias em quadrinhos que resolve apostar em uma roupa colorida, uma máscara e uma identidade secreta para se tornar o mais novo vigilante da cidade - mesmo que não tenha nem superpoderes, nem inteligência sobrehumana, muito menos dinheiro para se tornar um grande herói. É com a ajuda dos amigos, portanto, que o 'Kick-Ass' resolve virar o justiceiro do pedaço.
A participação de Jim Carrey só veio no segundo filme, lançado três anos após o sucesso do original - que lucrou cerca de 100 milhões de dólares, com um orçamento de apenas 30.
Na sequência, Dave, sob a identidade de Kick-Ass, continua ao lado de sua maior aliada, a Hit-Girl (interpretada por Chloë Grace-Moretz, ainda criança), além de outros novos vigilantes, para derrotar o Coronel Estrelas - encarnado por Carrey. No filme, Sal Bertolinni (o nome real do antagonista) é um antigo capanga de Frank D'Amico, o chefe da máfia que foi o vilão do primeiro filme.
Ao que é mostrado na sequência, D'Amico se converteu ao cristianismo, e agora, devoto de sua fé, não pensa mais em retornar para o mundo do crime. Sobra para o Coronel Estrelas tomar o lugar de malfeitor da nova aventura, dirigida por Jeff Wadlow.
O estilo cômico e bastante sanguinário do primeiro filme permaneceu: a identidade de 'Kick-Ass' é, inclusive, exatamente essa. É como o 'Deadpool' antes de 'Deadpool', apenas mais jovem e socialmente fracassado.
A sequência acabou dando certo, mas não tanto quanto seu antecessor: fez um pouco mais do que 60 milhões nas bilheterias, contra os mesmos 30 de orçamento; não foi um hit, até porque os comentários mistos da crítica impaxtaram, mas ainda assim fez algum barulho. Principalmente entre os fãs mais enlouquecidos da franquia, apaixonados pela trama.
Mesmo que o filme tenha sido motivo de orgulho para o próprio elenco, Jim Carrey preferiu ficar no lado oposto. Quando lançou nos cinemas, preferiu não divulgar o projeto — em que ele tem um dos papéis principais.
Motivos não faltaram, e ele resolveu deixar cada um deles bastante claros para cada fã, em suas redes sociais. No X (que à época da situação vivia seus tempos áureos como Twitter), o ator de 'O Show de Truman' escreveu: "Eu fiz 'Kick-Ass' um mês antes do Massacre de Sandy Hooks, e agora, em sã consciência, não posso apoiar tamanho nível de violência", começou.
O Massacre de Sandy Hooks aconteceu em 14 de dezembro de 2012, na cidade de Newtown, em Connecticut. Na ocasião, um jovem de 20 anos assassinou a própria mãe em casa e seguiu para a Escola de Ensino Fundamental de Sandy Hooks, onde 26 pessoas foram brutalmente mortas por ele, 20 crianças e adolescentes e seis adultos.
O caso ficou conhecido como um dos mais fatais ataques às escolas nos Estados Unidos, e até hoje é relembrado como um dos maiores exemplos da violência no ambiente educacional e da negligência da política interna do país para o controle de armas.
Carrey então prosseguiu, dizendo: "Gostaria de pedir desculpas aos outros envolvidos no filme. Não tenho vergonha dele, mas eventos recentes me fizeram mudar de ideia".
Jim Carrey sempre advogou pelo controle de armas em seu país, mesmo antes de se autodeclarar uma pessoa religiosa — quando se converteu ao cristianismo, apesar de deixar claro que não limita sua jornada espiritual aos dogmas de apenas uma única doutrina. O protesto contra 'Kick-Ass' só veio como mais um na lista de feitos do ator, detalhe que aos olhos dos colegas de tela foi deplorável.
O criador do universo de 'Kick-Ass', Mark Millar, respondeu o tweet de Jim com um post em um blog, dizendo: "Como vocês devem saber, Jim é um defensor ferrenho do controle de armas, e eu respeito tanto sua política quanto sua opinião, mas estou perplexo por esse anúncio repentino, já que tudo que foi visto nesse filme já estava no roteiro 18 meses atrás", justificou.
"Sim, a contagem de mortes é alta, mas um filme com o título 'Kick-Ass 2' [o nome do herói é uma expressão americana para agredir alguém] tem que cumprir o que está prometendo. A sequência que nos entregou a Hit-Girl com certeza nos daria algum sangue no chão e isso não deveria ser um choque para o cara que gostou tanto do primeiro filme", continuou.
Millar não parou por aí. "Tipo assim, Jim, eu também fico horrorizado por violência real (mesmo que eu seja escocês), mas 'Kick-Ass 2' não é um documentário. Nenhum ator ficou machucado durante as filmagens", ironizou o criador. "Isso é ficção, e assim como Tarantino, Peckinpah, Scorsese, Eastwood, John Boorman, Oliver Stone e Park Chan-wook, 'Kick-Ass' evita não colocar sangue gratuitamente como fazem outros hits de verão e prefere focar nas CONSEQUÊNCIAS da violência", citou grandes nomes do cinema que se utilizam da violência gráfica como elemento importante de suas narrativas.
Mesmo depois do textão, Mark Millar resolveu finalizar: "Nosso papel como contadores de histórias é entreter, e nossas ferramentas não podem ser sabotadas por diminuir a aparição de armas em filmes de ação".
Nem mesmo Chloë Grace-Moretz, que à época tinha apenas 16 anos, deixou o protesto isolado de Jim Carrey passar sem críticas. "É um filme. Se você vai acreditar e se afetar por um filme de ação, não deveria ver 'Pocahontas', porque então você pensaria que é uma princesa da Disney. Se você é assim tão facilmente seduzido, pode ver 'O Silêncio dos Inocentes' e achar que é um serial killer. É um filme e é de mentira; eu sei disso desde que era uma criança", concluiu a atriz mirim ao jornal The Sun, ainda em 2013.
Desde sua participação em 'Kick-Ass 2', a carreira de Jim Carrey tomou outros rumos. Mesmo que os sucessos dos anos 2000 com certeza ainda lhe rendam bastante lucro, o ator passou por um difícil período de depressão durante meados da década passada, e até esteve recluso durante um bom tempo.
Recuperado, e agora focando em seus favoritos hobbies - a prática da fé e a pintura, Jim se considera 'aposentado'.
Apesar disso, o ator de 62 anos aparece de vez em quando em filmes da franquia 'Sonic'. Na adaptação dos games, Jim vive o vilão Dr. Robotinik. O último lançamento que conta com a participação dele é 'Sonic 2 - O Filme', lançado em 2022. Há um terceiro longa-metragem em produção - com estreia prevista para dezembro e presença confirmada de Carrey.
Ele também participou do DVD da turnê 'After Hours til Dawn', ao vivo do Estádio SoFi, como a voz do DJ da rádio fictícia 103.5 Dawn FM, em 2023.
Confira abaixo o trailer de 'Kick-Ass 2', lançado em 2013, com participação de Jim Carrey, o único filme do qual ele se arrependeu de fazer na longa e gloriosa carreira.
*Com edição de Luís Alberto Nogueira