A questão da homofobia na Europa revela uma realidade complexa, ora com avanços e ora desafios no que diz respeito à promoção dos direitos da comunidade LGBTQIAP+. Enquanto alguns países demonstram progressos notáveis em legislação e aceitação social, outros voltam a lutar com os índices de discriminação e discursos de ódio.

Neste Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, a Bifobia e a Transfobia, destacamos as conquistas e os caminhos ainda a percorrer, além dos empecilhos enfrentados pela comunidade na busca por igualdade de direitos, respeito e visibilidade em diferentes países europeus.

Homofobia em Portugal

De acordo com o último Rainbow Map da ILGA Europe, grupo de defesa pela igualdade e direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ na Europa e na Ásia Central com, Portugal está em 9º lugar no mapa europeu de países que respeitam os direitos humanos e a igualdade das pessoas LGBTQIAP+. Nesse índice, o país tem 62% de aprovação.

Refletindo essa taxa, Portugal também foi o primeiro país europeu a criminalizar a homofobia, em 2004, pelo Princípio da Igualdade (artigo 13º). Além disso, o país permite tanto casamento como união civil entre pessoas do mesmo gênero.

Atualmente, de acordo com o relatório anual da ILGA Europe de 2024, o país já fez outros avanços significativos: o governo português passou a banir as chamadas “práticas de conversão” com até dois anos de prisão e lançou novos guias para prevenir a discriminação contra estudantes LGBTQIAP+ nas escolas e colaboração em processos de transição de pessoas trans.

Mas ainda há muito a ser feito

Embora o país tenha trabalhado pelos direitos LGBTQIAP+ desde o fim da ditadura salazarista em 1974 e as cidades de Porto e Lisboa, principalmente, tenham uma vida LGBTQIAP+ dinâmica e visível, o próprio relatório da ILGA e os dados relacionados ao Dia (Inter)Nacional – contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia em Portugal ressaltaram alguns pontos de atenção.

Primeiramente, uma pesquisa da LLYC Consuntancy apontou um aumento de mais de 185% em conteúdos anti-LGBTQIAP+ nas redes sociais entre os anos de 2019 e 2022 – com muitos conteúdos relacionados à ideologia de gênero.

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Em segundo lugar, crimes de ódio aumentaram em 38%. Ressalte-se que o número não envolve apenas a comunidade LGBTQIAP+.

Nem tudo são flores, mas o cenário é positivo. Não à toa, a bandeira do arco-íris será projetada na fachada da Câmara do Porto neste 17 de maio em uma demonstração de defesa e respeito dos direitos humanos.

Palácio de São Bento iluminado com as cores do arco-iris
Em 2023, o Palácio de São Bento foi iluminado com as cores da bandeira (Reprodução da
Assembleia da República)

Homofobia na Espanha

A Espanha, por outro lado, está em 4º lugar no Rainbow Map de 2023, com 74% de aprovação; ficando atrás apenas de Malta, com 89%, e Bélgica e Dinamarca, ambas com 76%.

O país também está na 3ª posição em outra vitória para a população LGBTQIAP+: foi um dos primeiros a legalizar o casamento homoafetivo em 2005, atrás apenas dos Países Baixos e da Irlanda.

De acordo com a “Encuesta sobre relaciones sociales y afectivas pospandemia” de 2023, elaborada pelo Centro de Investigación Sociológicas (CIS), a população espanhola LGBTQIAP+ representa entre 7% e 8% da população total do país – o que seria aproximadamente 3 milhões e 500 mil pessoas.

Com isso, a Federación Estatal FELGTBI+ estima que pelo menos 975 mil ou 27,5% desse grupo já sofreu discriminação e 304 mil ou 8,6% já sofreram agressão física em consequência da homofobia. Os grupos que mais sofrem com essas violências são as pessoas trans em 1º lugar e as lésbicas em 2º.

Avanços recentes no país

Apesar desses dados, 34% do grupo de 800 pessoas de nacionalidade espanhola que participou da pesquisa da Federación Estatal LGTBI+ e pertencentes ao coletivo LGBTQIAP+ tiveram a impressão de que a discriminação diminuiu no ano de 2023.

Também no mesmo ano, o Congresso espanhol aprovou uma lei pela igualdade para as pessoas trans e pela garantia dos direitos das pessoas LGBTQIAP+ que possui três vitórias principais para o grupo:

  • Passa a normalizar o processo de mudança de sexo no registro civil a partir dos 16 anos;
  • Proíbe terapias de conversão;
  • Pessoas com capacidade de gestação, independentemente de serem lésbicas, bissexuais ou trans terão acesso garantido a técnicas de reprodução assistida.

Meu depoimento como cidadã espanhola

Eu, jornalista Renata Losso, entendo que, embora não seja o melhor dos cenários, a Espanha costuma ter uma política progressista em relação aos direitos LGBTQIAP+. No entanto, com a polarização política crescente em muitos países, discursos de ódio continuam a acontecer.

Mas como lésbica, posso dizer: nunca sofri nenhum indício de homofobia aqui onde vivo, em Barcelona – e ando à noite sem sentir medo. Por ser uma lésbica difícil de se ser percebida como heterossexual, entendo isso como um bom sinal.

No entanto, vale ressaltar que cheguei a sentir um ou outro incômodo por conta de olhares em bairros como o Raval, onde a multiculturalidade é grande.

Antes de vir para Barcelona, morei em uma cidade menor chamada Tarragona, também na Catalunha. Considerando que se trata de uma cidade menor e menos cosmopolita, posso dizer que sempre fui melhor tratada do que imaginava.

Homofobia na França

Voltando ao Rainbow Map, chegamos à França: o país tem 63% de aprovação em relação ao respeito aos direitos humanos, ficando apenas um ponto à frente de Portugal. Com isso, ocupa o 8º lugar no ranking europeu.

Segundo a ILGA, pesquisas de 2023 indicaram que crimes de ódio aumentaram em 27% de 2021 para 2022. Após uma série de ataques a espaços públicos e centros LGBTQIAP+, o governo foi chamado a tomar providências e passou a investir em campanhas de conscientização e suporte a vítimas de homofobia com o lançamento do LGBT+ Action Plan (2023-2026).

O Rainbow Map mede a aprovação de cada país diante dos direitos das pessoas LGBTI+ (Reprodução Rainbow Map).

De acordo com números do Plan national pour l’égalité, contre la haine et les discriminations anti-LGBT+ (2023-2026), du Ministère chargé de l’égalité entre les femmes et les hommes, de la diversité et de l’égalité des chances, atos anti-LGBT+ aumentaram significativamente desde 2016.

Homens com menos de 30 anos que moram na França são os mais afetados. As informações foram obtidas via página da Universidade Paris-Saclay.

Mas mais do que tomando atitudes na atualidade, a França também está fazendo uma espécie de mea culpa das violências homofóbicas do passado: a Assembleia Nacional aprovou em 2024 um projeto de lei que compensa as pessoas condenadas pelo “crime de homossexualidade” entre os anos de 1942 e 1982.

Isso porque, apesar da França ter sido o primeiro país a descriminalizar a homossexualidade (no Código Penal de 1791), a discriminação voltou à tona sob o regime colaboracionista de marechal Philippe Pétain, aliado do regime nazista. Se o texto passar no Senado, as vítimas de duas leis discriminatórias do passado serão indenizadas.

Homofobia na Itália

A Itália é o país menos LGBTQIAP+ friendly da lista do Rainbow Map dentre os citados nesta matéria. E antes de expor os dados, é importante para fazer um adendo: análises indicam que, embora a discriminação muitas vezes seja menor, a violência que resulta dela tem sido mais frequente do que antigamente.

Especialmente após as eleições que levaram ao poder o governo de extrema-direita da primeira-ministra Giorgia Meloni, o país passou a ver um aumento significativo da retórica e da violência anti-LGBTQIAP+.

No Rainbow Map, a Itália tem apenas 25% de aprovação em relação à situação de respeito dos direitos humanos da população LGBTQIAP+ fica atrás até mesmo de países como Eslováquia, Hungria e Sérvia – países não propriamente conhecidos por suas políticas em prol dessas minorias. O país ocupa o 22º lugar no ranking.

Retrocessos no país

Enquanto no país está permitida a união civil homoafetiva, mas não o casamento, possibilidades como a inseminação artificial ou barriga de aluguel – recursos buscados por grupos de casais homoafetivos que procuram ter filhos – estão sendo vetadas.

Mulheres lésbicas, por exemplo, acabam viajando à Espanha para fazer inseminação e, homens gays, acabam procurando países fora da Europa – como Estados Unidos e Canadá – locais que aceitam o processo de barriga de aluguel legalmente.

Por mais que o processo seja feito fora do país, é possível registrar recém-nascido no retorno à casa. Mas talvez não mais na Itália: um projeto de lei aprovado em 2023 pela Câmara italiana passa a prever pena de prisão e multa para quem “executar, organizar ou divulgar” barriga de aluguel – e isso mesmo se esses atos acontecerem no exterior.

Ainda, com o governo italiano desrespeitando direitos da comunidade, foi solicitado o cancelamento de 33 certidões de nascimento de crianças filhas de casais lésbicas emitidas nos seis anos anteriores na cidade de Pádua. As mães e pais da região se organizaram para continuar a luta pelos próprios direitos nos tribunais. As informações são da BBC.

Homofobia na Alemanha

A Alemanha tem 55% de aprovação no Rainbow Map, ficando atrás da Grécia e dos Países Baixos, em 12º lugar entre países europeus. Mas nem por isso a preocupação deixa de estar presente na vida dos grupos LGBTQIAP+.

Em 2023, somente em Berlim, houve um aumento de atos discriminatórios e agressões em aproximadamente 25% em relação ao ano anterior, segundo estatísticas compartilhadas no site oficial da cidade de Berlim. A capital teve registro de 685 casos de homofobia contra homens gays, mulheres lésbicas e pessoas trans.

É preciso ficar de olho: no último ano, houve um aumento de ataques contra minorias em geral – assim como houve o aumento de manifestações da extrema-direita local, segundo foi associado por um relatório do Human Rights Watch.

Embora os números tenham aumentado, o prefeito Kai Wegner se pronunciou em relação ao problema e mostrou sua preocupação sobre o assunto:

“Nós somos a cidade da liberdade, nós somos a cidade da diversidade, nós somos a cidade da tolerância; mas esses números mostram o contrário”, disse ele em evento público com informações do Berlin.de.

Há também boas notícias

Em abril de 2024, foi aprovada a Lei de Autodeterminação, que pretende facilitar a alteração de gênero e nome próprio para pessoas trans, intersexuais e não binárias que moram na Alemanha. Em um futuro próximo, portanto, apenas uma declaração em cartório permitirá a mudança, deixando de fora qualquer decisão judicial para aceitação do trâmite, facilitando e acelerando esse processo.

Leis parecidas já existem em outros países, como Irlanda, Portugal e Espanha. Portanto, embora os números de casos de discriminação tenham aumentado, iniciativas por parte das autoridades locais podem trazer melhores frutos para os grupo LGBTQIAP+.

Homofobia na Inglaterra

O Reino Unido fica com 53% de aprovação em relação à igualdade de direitos para os grupos LGBTQIAP+, em 17º lugar no Rainbow Map. Isso reflete tanto avanços relevantes como desafios que não parecem encontrar uma luz no fim do túnel tão cedo.

De acordo com o relatório anual da ILGA, os discursos de ódio no Reino Unido estão extremamente ligados a discussões entre membros da classe política e da mídia, que acabaram criando um clima de hostilidade sobre a discussão de assuntos relacionados à comunidade LGBTQIAP+.

Com isso, um especialista em SOGI (Sexual Orientation and Gender Identity) da ONU (Organização das Nações Unidas) expressou uma grande preocupação diante do ambiente público tóxico para a população LGBTQIAP+ (especialmente em relação a pessoas trans que, no ano de 2023, sofreram o maior número de crimes anti-trans desde 2012).

Taxa de crimes baixou

Porém, vale ressaltar que, no mesmo período e de acordo com estatísticas do Ministério do Interior do Reino Unido, houve uma redução de 6% nos crimes de ódio por homofobia na Inglaterra, marcando a primeira queda em 10 anos. Essa combinação de obstáculos e progressos reflete a complexidade do cenário sobre os direitos LGBTQIAP+ no Reino Unido.

A experiência de uma pessoa LGBTQIAP+ faz toda a diferença nessas horas. Geisa D’avo, gerente de comunicação e marketing e moradora da cidade de Bristol, comentou que em 7 anos vivendo na Inglaterra, somente uma única vez ficou incomodada com a desconfiança de uma situação possivelmente homofóbica.

Pessoa em restaurante de South Bank London
Pela sua experiência, Geisa diz que: “a homossexualidade é algo bem aceito pela sociedade britânica”. Foto: arquivo pessoal.

Diante disso, comentou que a homossexualidade:

“[…] é muito normalizada mesmo. No ambiente de trabalho, nas conversas, nos espaços públicos, não é uma questão. Eu diria só que as interseccionalidades tendem a causar mais dificuldades. Gay e imigrante, gay e negro, gay e trans.”

Relativamente às pessoas trans, Geisa ainda opina haver mesmo uma politização de debates principalmente em torno dessas pessoas, o que faz com que a desinformação acabe ganhando algum espaço.

Homofobia na Irlanda

A Irlanda tem um ponto percentual a mais que o Reino Unido no Rainbow Map, atingindo 54% de aprovação em relação aos direitos da comunidade LGBTQIAP+, ocupando o 13º lugar no ranking.

Embora tenha sido o segundo país a legalizar o casamento homoafetivo na Europa, o avanço da extrema-direita no país tem sido relacionado a situações como: ameaças e assédio contra políticos que apoiam os direitos da comunidade, além do aumento de 29% nos crimes de ódio de 2021 para 2022 – sendo 22% desse percentual causado por homofobia.

Ainda, destacou-se no país o fato de que 87% da juventude LGBTQIAP+ do país já reportou conteúdos abusivos e tóxicos contra o próprio grupo online, o que resultou na criação da campanha “It’s Our Social Media”, com suporte do Google.org. O principal objetivo é chamar a atenção das plataformas para moderar esse tipo de conteúdo.

Demonstrações de apoio

Por outro lado, muitas demonstrações pró-LGBTQIAP+ acontecerem durante o último ano: as cores do arco-íris ganharam espaço em escadarias e faixas de pedestre, eventos e marchas de orgulho aconteceram por todo país e um recente projeto de lei está em andamento para reconhecer a violência anti-LGBTQIAP+ como agravante em crimes de ódio. Isso significa que o tempo de sentença de crimes relacionados a grupos minoritários pode aumentar.

Importante destacar, ainda, que de acordo com uma nova pesquisa publicada pelo governo irlandês (a “Survey on Attitudes towards the Equality Grounds Poll”), a maioria da população irlandesa se sente confortável convivendo com pessoas LGBTQ+.

A pesquisa indicou índices de 88–89% de aceitação em relação a ter um casal de mesmo sexo biológico como vizinho e 79–80% em relação a ter uma pessoa trans ou não binária como vizinha.

Homofobia na Europa

No contexto europeu, as atitudes em relação à comunidade LGBT+ apresentam tanto apoio substancial quanto áreas de grande preocupação, refletindo a variedade de perspectivas em diferentes Estados-membros em relação a ser LGBTQIA+ na Europa.

Em geral, portanto, a aceitação da comunidade LGBTQIAP+ tem se fortalecido mais do que nunca na União Europeia. Dentro do bloco econômico, 72% concorda que o casamento entre pessoas do mesmo sexo biológico deve ser permitido por toda a Europa e 69% afirma que lésbicas, gays e bissexuais devem ter os mesmos direitos que pessoas heterossexuais — de direitos parentais a adoção.

Além disso, 71% das pessoas acredita que o espaço escolar deve incluir informações sobre diversidade e orientação sexual.

Embora os números não sejam os mesmos para pessoas trans, costumam estar abaixo em até 5 pontos percentuais, mostrando ainda uma maioria na aceitação.

Medidas positivas para lidar com a homofobia

Embora a discriminação contra as pessoas LGBTQIAP+ persista em toda a União Europeia, o bloco adotou, em 2020, a LGBTIQ+ Equality Strategy 2020-2025, mostrando um compromisso da Comissão Europeia pela igualdade de direitos na União. Os planos do documento buscam intensificar a aprovação de medidas pela igualdade para dar voz à comunidade LGBTQIAP+ e integrá-la a todas as áreas políticas.

Ainda, de acordo com relatório da ILGA Europe de 2024, o progresso no compromisso institucional com a igualdade de direitos para a comunidade LGBTQIAP+ tem sido constante, com planos de ação sendo notados em países. Dentre eles estão Dinamarca, França, Alemanha, Islândia, Malta, Montenegro, Países Baixos, Noruega, Eslovênia, Espanha, Ucrânia, Escócia e País de Gales.

Já em comparação com o Brasil, importa dizer que a Europa não está anos-luz à frente em relação aos direitos LGBTQIAP+. Porém, medidas governamentais têm sido mais discutidas e implementadas na maioria dos países do continente europeu, ainda que alguns temas enfrentem mais resistência.

Procure ajuda

Se você for vítima de homofobia na Europa, utilize a UNI-FORM para pedir ajuda e fazer uma denúncia. É uma plataforma internacional de apoio criada pela União Europeia.

Segundo a informação oficial, através da plataforma, você é colocado “em contato com ONGs LGBTQIAP+ e as respectivas forças de segurança nacionais“.