Como Eu Vi E Gostei Da Ilha De São Jorge (2008-2016) Parte 5 - Diário Dos Açores
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Como eu vi e gostei da ilha de São Jorge (2008-2016) Parte 5

A crise de 1808 (Erupção do Vulcão da Urzelina)

Em 17 do dito mez de maio, vendo o vigário das Manadas, o reverendo Jorge de Mattos Pereira, que o da Urzelina se achava estrompado e com a sua gente dispersa veio com parte dos seus fregueses à igreja da dita freguezia de S. Matheus para salvar o que podesse da dita egreja, o que assim fez, e estando trabalhando na mesma de repente se levantou um tufão de fogo ou vulcão e introduzindo-se nas terras lavradas levantou todos aquelles campos até abaixo ás vinhas com todas as árvores e bardos, fazendo-se uma medonha e ardente nuvem e correndo até abaixo da igreja queimou trinta e tantas pessoas na egreja e nos campos, e vindo para a parte da ermida do Senhor Santo Christo tomou a luz ao sol de sorte que parecia uma tremenda noite e pensando o dito vigário da Urzelina que era a última hora de vida já trémulo tratava de consumir o Sacramento, mas em quanto se aprontou entrou a divisar uma pequena luz e esperando um pouco, vendo que ia esclariando, não quiz consumir o Sacramento e saindo a ermida logo se encontrou com o vigário das Manadas e um clérigo queimados e todas as mais pessoas que com elles entraram, uns por menos molestos foram para a sua casa e outros ficaram na referida ermida e casas vizinhas, por não poderem ir para as suas, vindo uns com os couros das mãos e pés pendurados, outros tão inchados e pretos que se não conheciam, outros com as pernas quebradas, e alguns espirando, todos pedindo Sacramentos, e apenas os receberam logo expiraram.
E vendo o rev. vigário que o fogo era cada vez mais e que se ia aproximando à dita ermida levou o divino Sacramento para as Manadas para a ermida de Santa Rita, em cuja tarde administrou os sacramentos a alguns dos fregueses, que ali se achavam queimados e a outros d’aquella freguezia das Manadas com licença do rev. vigário. No dia seguinte consumiu o Sacramento o rev. vigário da Urzelina e a toda a pressa passou à parte do Norte por onde veio para o logar da Ribeira do Nabo para accudir a alguns dos seus freguezes, que para o dito logar se tinham passado queimados, isto por já não poder passar pelo sul pelos tufões de fogo que saíam da bocca d’onde corriam caudalosas ribeiras de fogo em matérias fluidas, que já chegavam quasi ao mar. Agora se acha o dito vigário com os sacramentos na ermida de N. Sra. da Encarnação para onde voltaram os que andavam dispersos.
Até ao dia 16 do dito mez eis o que se observou, apparecendo na falda do monte que se formou de pedra e areia, o mais alto da ilha, uma abertura d’onde sahia uma caudalosa ribeira de fogo que chegou a dividir-se em cinco, e transbordando arrasaram os principaes campos e sessenta e sete casas de morada, toda a canada dos Abreus até à canada onde o padre Bartholomeu Luiz morava, com vinhas e terras, ficou em mysterio, e vindo estas ribeiras ao mar levaram a igreja de S. Matheus, que hoje se acha em mysterio tão alto que hombrea com a torre da dita egreja, menos a dita torre e frontispício com um bocado do adro.
Até 5 de junho do dito anno, domingo do Senhor Espírito Santo, sahiu d’aquelle vulcão umas vezes pedra outras areia, em cujo dia sahiu com tanta força que chegou à villa, e desde este dia até à sexta-feira seguinte deitou tantas cinzas, que abrasaram as cearas de muitas freguezias, e cobriram os pastos de forma que alguns sujeitos varreram os pastos para ver se os gados comiam, mas nem assim podiam pastar e por esta razão morreram muitos gados. Todas as boccas por onde rebentou fogo fumam, mas sem prejuízo, ainda que estamos esperando a cada instante renovação do fogo, porque nossos corações nenhum arde de amor Divino. Em todo o espaço do mez de maio, em que correu o fogo, nunca anoiteceu n’esta ilha, porque faltando a luz do sol ficava a do fogo.
O Dr. João Teixeira Soaresno jornal Jorgense, nº 21 e 22 de 15 agosto e 1 setembro de 1872, que foi transcrita no Archivo dos Açores, vol. V, pp. 442 e 443, escreveu a narrativa da mesma erupção, firma-se naquela outra do padre João Ignacio e nas notas que havia feito. Desta narrativa destacam-se as seguintes considerações:
Desde aquelle dia (5 de junho) até ao dia 10 do mesmo mez teve logar a emissão de cinzas, que cahiram sobre uma grande área da ilha, chegando mesmo a algumas vizinhas. Então cessou a atividade vulcânica, mas gradualmente; as crateras fumaram ainda por muito tempo, e por muitos anos se percebeu próximo às fendas, que na direção do oriente ao ocidente se abriram, uma maior elevação de temperatura, assaz denunciada pela vegetação herbácea que cobria o solo. As lavas conservaram também por annos gazes sulfurosos.
Dos phenomenos que relatamos, aquelle que nos parece dever chamar mais a atenção do geólogo, é o das nuvens ardentes. Sahiam das crateras depois de uma como syncope da atividade d’estas. Eram carregadas d’uma poeira húmida ou polme, que fazendo-as pesadas as obrigava a correr por sobre a terra, vertente abaixo, para o mar. Traziam uma terrível força de translação. A introdução da mais leve parte nos órgãos da respiração causava a morte. Idêntico phenomeno apareceu como vimos em 1580. A lava de 1808 é a mais tratável que talvez se conheça na história geológica. Muitas partes d’ella estão já convertidas em frondosas matas.
Na Revue Scientifique de la France a de l’Etranger, 2ª série, 2º ano, nº 51, 21 junho 1873, pp. 1200, com o título Saint George (Açores) et ses eruptions, Ferdinand André Fouqué escreveu a respeito das erupções de 1580 e 1808º que viu nas crateras que visitou, e que o vol. V do Archivo dos Açores, pp. 444 e 445, transcreve.
Aquele naturalista, desembarcando na Calheta dia 8 de julho de 1872, dirigiu-se no dia imediato, com o Dr. João Pereira da Cunha Pacheco, ao lugar das ditas crateras, resultando do seu estudo o seguinte:
Estas nuvens eram carregadas de uma poeira húmida, desciam ao longo da vertente, rojando-se pela superfície do terreno. A este contacto venenoso as plantas murcham e morrem imediatamente. … O poder asphixiante d’estas nuvens, a sua progressão perto da superfície do solo e o seu constante movimento pelos declives do terreno indicam como elemento principal d’eIas a existência de um gaz deletério e denso que, muito provavelmente, não seria senão o ácido carbónico. A sua opacidade deve atribuir-se ao vapor d’agoa, meio condensado e a sua cor avermelhada ao pó vulcânico muito subtil arrastado e em suspensão naquela mistura de gazes e vapores.
Enfim a ação deletéria exercida rapidamente sobre as plantas provém sem dúvida do acido clorídrico e do acido sulfuroso expelidos juntamente com os vapores aquosos e arrastados por elles. As testemunhas da erupção de 1808 não fazem menção de chama. A sua atenção foi principalmente excitada pela ação venenosa d’estes agentes.
Numa narrativa exagerada, os homens e os animais morriam mal respiravam aqueles vapores pestilenciais. É evidente, que as nuvens ardentes de 1808 eram muito mais húmidas e com temperatura muito mais baixa que as de 1580. Na Corographia Açorica, pp. 94, João Soares de Albergaria de Sousa, testemunha ocular da erupção de 1808, diz ((in António Lourenço da Silveira Macedo, História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta, tomo 1, pp. 300 e 542).):
O vulcão de 1808, que vimos rebentar nas Lagoinhas, sobre a serra que fica ao norte e iminente à aldeia da Urzelina, também respirou no lugar d’Entre Ribeiras, uma légua ao noroeste e depois no das Areias; a primeira boca expeliu por largos dias grande quantidade de materiais; 7 dias apareceu o sol obscuro pela densidade da atmosfera, impregnada dos vapores vulcânicos; choveram cinzas; a ilha sofreu muitas e violentas concussões; o solo na vizinhança do vulcão abriu fendas profundas; os lábios dos hiatos abateram em lugares de 4 a 6 palmos.
Este vulcão correu ao mar sem interrupção, deixando o chão coberto de lava em altura de 30 pés, pouco mais ou menos.
Como se vê, nem o Padre João Ignacio da Silveira, nem João Soares de Albergaria de Sousa, testemunhas da erupção, aludem ao pedaço de terreno rodeado de lavas que ficou incólume e que a tradição do povo atribui ao facto de nele pastar uma rés destinada ao bodo do Espírito Santo. Também Francisco Ferreira Drummond, nos Anais da Ilha Terceira, tom. III, pág. 184, referindo-se àquele fenómeno diz que foi visto e sentido na ilha Terceira, caindo até cinzas por muitos dias, que se achava a cada passo, empacada sobre as plantas dos jardins, das hortaliças e campos mais remotos. Foram igualmente pressentidos os terremotos na ilha do Faial, de onde vendo-se rebentar o fogo na ilha de S. Jorge, mandou a Câmara da Horta uma lancha com algum socorro e uma carta à câmara das Velas, oferecendo hospitalidade às pessoas que se quisessem nela refugiar.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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