Falta rede de apoio, dizem mães solo brasileiras na Alemanha

Falta rede de apoio, dizem mães solo brasileiras na Alemanha

Autor DW Tipo Notícia

Mesmo com benefícios assistenciais, na Alemanha, mães solo são o grupo mais vulnerável à pobreza. Segundo entrevistadas, porém, não falta só dinheiro."A mãe solo existe só em função dos filhos, da casa, do trabalho e do dinheiro – é uma loucura", diz Carla, mãe de duas filhas que mora em Berlim há 23 anos. Carla morava na Alemanha há três anos e trabalhava em um restaurante brasileiro quando a gravidez a pegou de surpresa. Dois anos depois, quando engravidou de novo, ela decidiu criar as filhas sozinha. Segundo dados do Serviço Federal de Estatística (Destatis, na sigla em alemão), na Alemanha, país com cerca de 82 milhões de habitantes, há pelo menos 2,3 milhões mães solo. No Brasil, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), são cerca de 11 milhões. Nesse Dia das Mães, a DW conversou com duas mães brasileiras na Alemanha sobre as experiências que viveram criando os filhos sozinhas. O dia a dia de uma mãe solo "Você tem que trabalhar e fazer tudo por dois", diz Carla, que tem uma filha de 18 e uma de 20 anos. Apesar do apoio financeiro e estrutural que existe na Alemanha, organizar o dia a dia sendo a única pessoa responsável pelas filhas foi um desafio para ela. Enquanto as filhas estavam no jardim de infância ou na escola, Carla trabalhava de cuidadora de famílias. Tendo que buscar as filhas à tarde, Carla só podia trabalhar até às 15h, e para compensar, trabalhava também nos finais de semana. Mesmo assim, ela nunca conseguiu sobreviver com o próprio dinheiro. Desde que é mãe solo, sempre teve a renda completada por benefícios assistenciais do estado. Cerca de 35% de pais ou mães solo na Alemanha dependem de benefícios assistnciais, sendo que mães solo são o grupo mais vulnerável à pobreza. Como funciona o sistema de auxílio na Alemanha? Além de benefícios assistenciais para pessoas sem renda ou com renda baixa, o estado paga 250 € (cerca R$ 1.370) de abono de família por mês para cada filho até que a criança complete 18 anos de idade, independentemente do rendimento. O benefício é conhecido como "Kindergeld". Filhos desempregados tem direito ao abono até os 21 anos e, se estiverem estudando, até os 25 anos. Os pais também têm direito a três anos de licença materna ou paterna, sendo que, geralmente, apenas o primeiro ano é uma licença remunerada. Os dois anos em que não se recebe compensação financeira podem ser tirados pelos pais até a criança completar oito anos de idade – por exemplo, para acompanhar a escolarização da criança. Quanto auxílio financeiro uma mãe solo recebe durante a licença materna varia dependendo do emprego – ou seja, quanta remuneração ela recebia antes do nascimento da criança – e do seguro da mãe. Mães solo têm direito a no máximo 14 meses de licença remunerada. Durante o período da licença, elas recebem no mínimo 65% de subsídio parental do salário líquido do emprego, e no máximo 1.800 euros mensais. "Sempre falta no final do mês" Apesar dos benefícios, o dinheiro sempre foi apertado para Carla. Ela recebe um total de 1.600 € por mês, que equivale mais ou menos ao aluguel de um apartamento de dois ou três quartos em Berlim, onde mora. "Tudo que você recebe é bem contado. Você recebe o mínimo, e você tem que dar um jeito com esse mínimo", diz Carla. Para pagar as atividades sociais das filhas, ela faz limpezas de casa no seu tempo livre, além do trabalho regular. "Eu sempre dou um jeito para arrumar um dinheirinho para que elas possam dar uma saidinha, ir a um cineminha. Mas eu, a maior parte do tempo, fico em casa", diz ela. A mãe solo Daniele também afirma que apesar dos benefícios e auxílios que recebe, "sempre falta no final do mês". Daniele, que é mãe de dois filhos de 13 e 19 anos, recebe o salário do seu trabalho como cuidadora de idosos, abono de família para cada filho e a pensão do pai para a filha menor de idade. Na Alemanha, só 25% de parentes solo recebem a pensão a que tem direito do(a) ex-companheiro(a). Porém, é possível receber até 395 € (cerca de 2.161 R$) por mês de compensação do estado se um parente não paga a pensão à qual o outro tem direito. Uma imensa responsabilidade Daniele se mudou do Rio de Janeiro para a Alemanha há três anos. Ser mãe solo é uma experiência nova para ela, pois ela se separou há poucos meses. Conta que a sua vida "mudou completamente". Depois da separação, Daniele e os dois filhos tiveram que mudar o padrão de vida por questões financeiras. Hoje, os filhos recebem menos mesada e a família cortou o hábito de comer fora. "Meu ex-marido me deixou um aluguel caro para pagar, as duas crianças e a responsabilidade imensa de terminar de educá-los", conta Daniele. Essa responsabilidade exige uma estrutura organizada. Daniele costuma preparar o almoço para a semana toda para que os filhos possam comer depois da escola. No domingo, ela e os filhos organizam a semana e dividem as tarefas da casa entre si: "Uma passa a roupa, o outro limpa o banheiro, lava a louça ou tira o pó dos móveis", descreve. "Eu não tinha como ficar doente" Com todas as responsabilidades do dia a dia, mães solo raramente tem tempo para elas mesmas. Carla afirma que quando as filhas ficavam doentes, ela faltava no trabalho para cuidar delas. "A mãe solo não tem tempo para nada", diz. "Eu me anulei totalmente como mulher. Eu só funcionava em torno das meninas. Isso sobrecarregou bastante." Isso também porque Carla nunca teve família ou uma rede de apoio por perto. É justamente por isso que, em retrospectiva, Carla acredita que a maternidade no Brasil teria sido mais fácil para ela. "Eu acho que no Brasil, emocionalmente e em termos de apoio, teria sido menos desgastante, por causa da família. No Brasil, a família ajuda. Se você não tem um pouquinho de arroz, você vai lá com uma xicara e vem um quilo. Aqui não existe isso", imagina. "Aqui eu tenho mais tranquilidade" Daniele também sente falta de ter uma rede de apoio. "No Brasil, eu tinha um círculo grande de pessoas para me ajudar com eles. Aqui eu estou sozinha", ela conta. Mesmo assim, para Daniele, a maternidade solo na Alemanha é mais fácil do que no Brasil. "Aqui você consegue criar filhos com mais segurança, tranquilidade e saúde, coisas que a gente não tem no Brasil. Meus filhos podem ir para a escola e para o futebol sozinhos, podem chegar mais tarde em casa. E para mim, uma coisa substitui a outra", diz ela. "Falta ar para respirar" A maioria das mães solo – como é o caso de Daniele e Carla – são as únicas responsáveis pelos filhos, pelas finanças e pelo lar. Por isso, ambas gostariam que o estado alemão desse mais incentivo financeiro para que mães solo possam contratar uma pessoa para ajudá-las, e assim, ter mais liberdade. A ONU estima que existem mais de 103 milhões de mães solo no mundo, e pelo menos mais 103 milhões adicionais que não são contadas em estatísticas oficiais. São pelo menos 103 milhões de mulheres no mundo enfrentando a responsabilidade de criar, educar e alimentar os filhos sozinhas. Carla e Daniele não estão pedindo muito. O que elas querem é um pouco de tempo para elas mesmas. "É preciso ter mais apoio para mães sozinhas, para que elas possam de vez em quando ir fazer uma compra sozinha ou visitar um médico. Dar um pouco de ar para essas mulheres respirarem. É isso que falta", diz Carla. Autor: Djamilia Prange de Oliveira

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