Não existe coincidência

Redes reprovam pressão de Tarcísio sobre Milton Leite para privatizar a Sabesp

Presidente da Câmara de São Paulo era contrário à privatização, mas mudou de posição após ser citado na operação Fim da Linha, que mirou empresas de ônibus usadas pelo PCC

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Leite sinalizava desde novembro ser contra privatização da Sabesp. Mas, no mesmo dia da operação contra as empresas de ônibus, a Câmara expediu um parecer de legalidade para a venda e o projeto foi aprovado menos de um mês depois

São Paulo – A denúncia de que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) usou uma operação contra empresas de ônibus usadas pelo PCC para pressionar o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), a acelerar a votação do projeto de privatização da Sabesp, confirma uma suspeita que já existia. É o que analisou em sua rede X – antigo Twitter – o coordenador de Mobilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria.

“Quando a ex-cooperativa citada foi direto a TransWolff, ligada ao poderoso Milton Leite, levantou mesmo uma suspeita. Quase todas as ex-cooperativas têm denúncias de ligação com o PCC, agora ficou claro porque começaram com essa”, compartilhou Calabria.

“Essa denúncia é grave e precisa ser investigada”, disse no X o deputado federal Carlos Zarattini (PT).

A manobra de Tarcísio foi exposta pelo UOL TAB nessa segunda-feira (13). A reportagem consultou sete fontes, duas delas com cargos no governo de São Paulo e outra na Sabesp. Elas não tiveram os nomes revelados e confirmaram o timing entre a Operação Fim da Linha e o avanço das discussões sobre a Sabesp. “Na política não existe coincidência”, comentou um parlamentar, ex-colega de Leite na Câmara.

Ligação Tarcísio e Milton Leite

O presidente da Casa estava entre os indicados pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) como testemunha na ação judicial que trata das investigações sobre as empresas Transwolff e UPBus. Ambas são apontadas como pertencentes a um esquema ilícito da facção criminosa para lavagem de dinheiro. Leite foi citado dois dias depois que a operação foi deflagrada, no dia 11 de abril. Juntas, as duas empresas receberam da prefeitura de São Paulo mais de R$ 800 milhões pela prestação de serviço em linhas de ônibus nas zonas Sul e Leste da cidade.

Segundo o processo, o vereador Milton Leite tem relações estreitas com Luiz Carlos Efigênio Pacheco, dono da Transwolff, preso no dia 9 de abril pela operação do MP-SP. A menção nominal a Leite era um “recado” do governo Tarcísio para pressioná-lo a votar a privatização da Sabesp, de acordo com o UOL TAB. Como presidente da Câmara, cabe a ele pautar o tema. A discussão constava em um projeto do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que autorizava a capital paulista à aderir desestatização. O PL entrou na Câmara em março.

Mas, desde novembro do ano passado, Leite sinaliza que iria travar a votação. “A sensação, na Câmara, é de desconforto com o projeto”, chegou a afirmar em entrevista ao O Globo em 3 de abril. No mesmo dia da operação contra as empresas de ônibus, a Câmara expediu um parecer de legalidade para a venda da Sabesp. E, já no dia seguinte, foi publicado o calendário de audiências públicas sobre o assunto no Diário Oficial. Em 17 de abril, o projeto passou com 36 votos a favor e 18 contra. Em menos de um mês estava aprovado de forma definitiva com 37 votos a favor e 17 contra.

‘Corrupção’ e ‘bandidagem’: repercussão

A Justiça de São Paulo havia determinado a necessidade de realizar todas as audiências públicas necessárias e a apresentação de um estudo de impacto orçamentário, antes da votação final da privatização. A prefeitura, no entanto, apresentou um estudo de apenas quatro páginas. E ainda faltaria a realização de audiências, por exemplo, na Comissão de Finanças. No entanto, Milton Leite alegou que todos os ritos haviam sido cumpridos e prosseguiu com a sessão.

Interlocutores lembraram, contudo, que o presidente da Câmara era contrário à privatização da Sabesp. Ele é um dos responsáveis pelo PL que autorizou, em 2009, o contrato entre a Sabesp e a cidade de São Paulo, assinado em 2010. Leite inclusive insistiu em uma cláusula para garantir que os investimentos feitos pela Sabesp fossem amortizados até o fim do contrato, em 2040. Mas mudou após a operação policial.

O governo Tarcísio e o presidente da Câmara negaram as acusações. O caso, no entanto, foi repercutido nas redes sociais, onde as manobras de ambos foram repudiadas. “Corrupção e bandidagem”, afirmou a cientista política e urbanista Keit Lima.

“Tem de tudo aí: um vereador criminoso que o MP-SP não investiga porque quem investigar (diz um promotor) será morto; um governador criminoso encenando uma operação contra o crime para pressionar o vereador criminoso etc. SP ladeira abaixo”, escreveu o professor de geografia Eadweard Eszterházy.

Redação: Clara Assunção