Filme com Julia Roberts na Netflix que vai elevar seu espírito e alegrar seu dia Divulgação / Columbia Pictures

Filme com Julia Roberts na Netflix que vai elevar seu espírito e alegrar seu dia

Quanto mais se tem, mais se quer — e menos se consegue, e quase se perde tudo. Essa é uma das conclusões a que chega depois das mais de duas horas de “Comer, Rezar, Amar”, uma espécie de “Odisseia”, o poema épico de Homero (928 a.C – 898 a.C.), numa versão feminista, pós-moderna, marqueteira e, claro, amparada num orçamento nababesco. Elizabeth Gilbert, a anti-heroína cujo espírito tumultuoso busca um porto seguro enquanto se dedica também à fruição dos tantos prazeres da carne, obedecendo, sem se dar conta, ao carpe diem de Horácio (65 a.C. – 8 a.C.), sai de sua Nova York natal e passa por Bali, Índia e Itália apenas para que fique suficientemente claro que a verdadeira paz está bem mais perto do que imagina, em algum lugar que só ela mesma conhece. 

Sensível a essas necessidades que o mundo não é capaz de suprir, Ryan Murphy adapta o livro homônimo de Gilbert, publicado em 2006 e presente na lista de mais vendidos do “The New York Times” por 180 semanas, de modo a ressaltar as pequenas e grandes incoerências de sua personagem central, uma mulher disposta a transformar-se, inquieta, ansiosa por encontrar sentido para a vida, serenando conforme entende que ninguém pode ter a resposta definitiva para suas perguntas.

Liz começa pedalando por um arrozal em Bali ao passo que tece considerações sagazes sobre as humanas misérias que afligem-nos a todos, a despeito de patrimônio ou saldo bancário. Pelo que se nota, ela une o útil ao agradável e intenta escrever um ensaio sobre práticas religiosas orientais e se dirige ao eremitério onde vive Ketut Liyer, o guru interpretado por Hadi Subiyanto, que lhe diz impressionantes obviedades antes de oferecer-lhea gravura de uma deusa hindu que mantém o equilíbrio sobre quatro pernas, tropo que há de esclarecer pontos importantes no terceiro ato. Aos quarenta e poucos anos, Liz atravessa uma crise de meia-idade que se manifesta na incapacidade de permanecer em relacionamentos em que homens lhanos e carentes realizam-lhe todos os desejos e, assim mesmo, ela não os consegue amar. 

O roteiro de Murphy e Jennifer Salt martela o argumento com intensidade variada, induzindo o espectador a odiar a protagonista, até que de megera indomada Liz passa a uma mulher frágil, muito mais que o marido e o namorado que deixa pelo caminho. A mágica só acontece, claro, graças a Julia Roberts e seu carisma magnético. As cenas em que aparece casada com Stephen, o tipo meio obcecado de Billy Crudup, ilustram os momentos nos quais a antimocinha relembra o dia a dia de uma mulher comum sem muitas perspectivas, nem no trabalho e tanto menos na vida conjugal, um passado próximo de que sente falta. Uma sequência em que Liz e Stephen dançam na festa de bodas volta sem “Celebration” (1980), o soul balançado do Kool & the Gang, dando a chance para os dois troquem as últimas impressões sobre sua relação fracassada, num diálogo mediúnico pleno de lirismo e que cai como uma luva aqui. Antes, uma conversa telefônica também já tratara de aparar as últimas arestas do que poderia ter ficado de mágoa entre ela e David Piccolo, o ator talentoso, mas ressentido por promessas que nunca se materializam, com James Franco em participações bissextas, mas estimulantes.

Depois de uma incursão pela Itália, onde acrescenta alguns números ao manequim, a Ásia é de fato onde o filme engrena. A amizade com o texano Richard, num templo nos arredores de Nova Délhi, é o elemento que faltava para que Liz dê ainda mais valor às autodescobertas e então ela regressa a Bali, onde Ketut não a esperava — e nem mesmo a reconhece, num lance de humor involuntário que quebra muito da previsibilidade do enredo. Richard, de Richard Jenkins, também volta, mas para o Texas, e Liz, ao que tudo indica, encontra o amor nos braços do brasileiro Felipe, com Javier Bardem correspondendo ao que sempre se quer dele (ainda que minha torcida fosse mesmo para o texano sensaborão). Se, como diz o guru balinês, o desequilíbrio do amor é vital para uma vida equilibrada, Elizabeth Gilbert está no lado certo dos trilhos.


Filme: Comer, Rezar, Amar
Direção: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gêneros: Romance/Drama 
Nota: 8/10