“Fallout“ da vida real? Veja carros nucleares que quase existiram | CNN Brasil
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    “Fallout” da vida real? Veja carros nucleares que quase existiram

    Na década de 1950, a energia nuclear era uma obsessão, e algumas empresas tentaram criar veículos do tipo, mas nenhum foi para frente

    Ford Nucleon
    Ford Nucleon Reprodução/Ford

    João Vitor Ferreiracolaboração para a CNN

    A série “Fallout” é uma das sensações do momento. Baseada na franquia de videogames de mesmo nome, conta a história de um mundo pós-apocalíptico em que uma grande guerra nuclear devastou todo o planeta.

    Um detalhe interessante sobre a história por trás de Fallout é que o motivo que desencadeou a guerra nuclear foi justamente uma crise do petróleo, obrigando a sociedade a utilizar uma forma alternativa de energia, nesse caso, a nuclear. Logo, a tecnologia do universo se desenvolve inteiramente a partir das reações atômicas, servindo como fonte de energia para casas, robôs, armas de guerra e até carros.

    Os automóveis não são comuns nos jogos ou na série de TV, mas eles estão lá, em sua grande maioria, destruídos pelos efeitos da guerra. No contexto da franquia, a indústria automotiva teve que se adaptar à crise do petróleo, passando a produzir carros movidos a energia nuclear.

    Um exemplo é o modelo fictício “Chryslus Corvega”, que aparece em outdoors nos jogos, ostentando o poderoso motor “Atomic V-8”.

    Mas será que a história de carros nucleares já existiu no mundo real? Nas décadas de 1950 e 1960, a energia nuclear estava em alta, com o fim da Segunda Guerra Nundial, e chegou a ser cogitada como uma substituta para os combustíveis fósseis.

    Ford Nucleon: o mais famoso

    Uma das mais famosas histórias de carro nuclear foi o Ford Nucleon. O projeto da montadora americana, apresentado em 1958, substituía o tradicional motor a gasolina por uma pequena usina nuclear que, através da fissão do urânio, gerava calor para transformar água em vapor.

    O gás seria utilizado então para mover turbinas e gerar energia elétrica, ou então, mover o carro diretamente com energia mecânica. Essa reação é bem semelhante à usada para mover submarinos e navios nucleares atualmente.

    Ford Nucleon
    Conceito do Ford Nucleon nunca ganhou um protótipo em escala real / Reprodução Ford

    A Ford era bem ambiciosa com o projeto e divulgava uma autonomia de 8.000 km. O abastecimento também seria simples, bastando trocar o pequeno pellet de urânio em postos de troca — os substitutos dos postos de gasolina no futuro utópico da montadora. Eles até imaginavam a possibilidade de oferecer diferentes tipos de reatores, que ofereciam mais autonomia ou desempenho.

    A ideia não foi muito para frente, e o Nucleon não ganhou nem um protótipo em tamanho real, parando na maquete de escala reduzida. O modelo está exposto no museu da Henry Ford, em Dearborn, nos Estados Unidos.

    Ficha tecnica do Ford Nucleon
    Ficha tecnica do Ford Nucleon / Reprodção/Ford

    Arbel Symetric – a farsa

    Ainda em 1958, uma montadora francesa também quis tentar a sorte com os carros nucleares. A Arbel conseguiu comprar o projeto de um protótipo chamado de Symetric.

    O nome tinha origem na aparência simétrica do carro que, apesar de ter algumas funcionalidades estranhas, como as portas que abriam em duas metades — os vidros para cima se econdendo no teto, e os paineis desciam para debaixo do assoalho — tinha como principal atrativo um trem de força híbrido.

    Como os modelos atuais, um motor a combustão era usado como gerador e alimentava outros quatro motores elétricos, cada um montado em uma das rodas. O protótipo inclusive era conduzido com apenas um pedal, que ao ser aliviado usava a frenagem regenerativa até os 15 km/h. Acima disso, os freios a tambor eram acionados automaticamente.

    Com o projeto do Symetric em mãos, os franceses da Arbel mantiveram os motores elétricos, mas modificaram o design incomum e adicionaram duas opções de geradores a gasolina, um a diesel e outro nuclear.

    Esse último ganhou um propulsor chamado de “Genestatom”, que basicamente eram duas turbinas nucleares montadas na traseira, que pegavam resíduos nucleares armazenados em um compartimento especial e a transformavam em energia elétrica para alimentar os motores.

    O chassi do carro nuclear francês até chegou a ser exposto no Salão de Genebra com suas turbinas à mostra. A Arbel também prometeu estrear o modelo em frotas de táxis em Paris, além de anunciar a construção de uma fábrica na França.

    Protótipo apresentado pela Arbel
    Protótipo apresentado pela Arbel no Salão de Genebra / Reprodução

    Mas tudo não passou de um golpe. Quem pagou o sinal pelos carros da Arbel na época perdeu o dinheiro, e a montadora simplesmente deixou de existir. Já o protótipo era falso, composto apenas de ferro e hélices de motores a combustão.

    É possível construir carros movidos a energia nuclear?

    Outras empresas também tentaram lançar seus conceitos atômicos, como a falecida Studebaker, com o Astral, em 1957, e a Simca, com o Fulgur, em 1958. O interessante é que ambos traziam um visual mais futurista, muito semelhante ao famoso desenho animado “Os Jetsons”.

    A diferença é que, no caso dos carros nucleares, o design de cúpula foi uma forma encontrada de proteger os ocupantes da radiação. Mas nenhum foi para frente, assim como o Nucleon.

    A verdade é que reduzir um reator nuclear para caber no capô — ou na traseira, no caso do Nucleon — era possível na década de 50, como afirmou o professor L. Dale Thomas, vice-diretor do Centro de Pesquisa de Propulsão da Universidade do Alabama em Huntsville, em entrevista ao site The Drive.

    “O próprio núcleo do reator (incluindo a blindagem) de um pequeno reator nuclear poderia, de fato, caber no compartimento do motor, o que geraria ampla energia para alimentar um veículo pessoal”, disse Thomas. “No entanto, a dificuldade surge do problema de conversão de energia. O reator nuclear vai gerar energia térmica, que precisa ser convertida em energia mecânica.”

    Nesse caso, existem muitas transformações de energia. No momento da reação, ela é térmica, passando para mecânica ao girar as turbinas para gerar eletricidade. Depois, a energia elétrica é transformada em mecânica novamente para movimentar as rodas. Em todo o processo, a perda enérgica seria grande, o que tornaria o veículo ineficiente.

    Outro obstáculo seria o excesso de calor gerado pelo reator, que precisaria ser eliminado. No caso dos motores a combustão, eles saem pelo sistema de escape e pelo radiador.

    Já para um reator nuclear, o número de radiadores seria muito maior, e os gases não poderiam ser eliminados na atmosfera por serem radioativos, necessitando de um sistema fechado, como o de um ar-condicionado, resultando em mais peso e na necessidade de mais espaço.

    Por enquanto, a ideia de criar um carro movido a energia nuclear parece congelada. Alguns projetos surgiram, como o Cadillac World Thorium Fueled Concept Car, em 2009, mas nenhuma ideia semelhante foi para frente.

    Muito disso deve-se à dificuldade de controlar o material radioativo, e aos riscos para a saúde de se trabalhar com esse tipo de energia, sem falar dos problemas que eles poderiam provocar em caso de batidas.