No início dos anos 1990, Clint Eastwood já havia atuado em cerca de 50 obras e contava com quase duas décadas de experiência como diretor (sua estreia do outro lado das câmeras fora no thriller em Perversa Paixão, de 1971). Graças principalmente aos seus sucessos de faroeste, como Por um Punhado de Dólares (1964) e Três Homens em Conflito (1966), o astro norte-americano já havia se estabelecido como uma das maiores lendas do cinema, embora ainda não tivesse ganhado nenhum Oscar.
Mas todo esse reconhecimento e experiência não foram suficientes para que ele se sentisse preparado para dirigir e estrelar uma das produções mais elogiadas de sua filmografia: Os Imperdoáveis, de 1992. Eastwood levou 10 anos para tirar do papel a história de Bill Munny, um pistoleiro veterano do Velho Oeste que aceita um último trabalho em sua carreira sangrenta, porque ainda não se sentia "velho" o bastante para encarar o western.
Os Imperdoáveis passou por Francis Ford Coppola antes de ser engavetado por Clint Eastwood
David Webb Peoples, roteirista hoje conhecido pelas icônicas ficções científicas Blade Runner - O Caçador de Androides (1982) e Os 12 Macacos (1995), escreveu Os Imperdoáveis em 1976. A princípio, o script foi parar nas mãos de Francis Ford Coppola, que tinha acabado de impressionar Hollywood com O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão II (1974).
Como ainda não havia conseguido financiamento para produzir o filme de Velho Oeste, o cineasta foi se debruçando sobre outros projetos; até que seus direitos de uso do roteiro expiraram, e ele optou por passar a história de Bill Munny para outro diretor que demonstrasse interesse. Hoje, Peoples sente que foi sortudo por Coppola ter aberto mão do script. "Francis teria feito o filme brilhantemente, como ele sempre faz; mas é difícil imaginar alguém que fizesse o longa de maneira tão direta e intransigente quanto Clint", considerou o roteirista ao Los Angeles Times em 1992. "Nenhum estúdio teria feito dessa forma — um filme sombrio, melancólico. Com muitas vozes [interferindo no projeto], as coisas geralmente acabam se tornando mais suaves e acessíveis."
Uma das colaboradoras de Eastwood, Sonia Chernus, já havia lido o roteiro de Os Imperdoáveis; mas ela havia dito para o ator e diretor não adquiri-lo, pois havia achado a história "um lixo". Por isso, o cineasta só foi dar uma chance ao script graças a uma confusão de títulos. É que quando Peoples passou a ofertar o roteiro de Os Imperdoáveis em Hollywood, ele decidiu alternar dois nomes para a obra: Chernus havia recebido uma versão chamada "The William Munny Killings", enquanto Eastwood leu uma cópia intitulada "The Cut-Whore Killings". Por isso, o diretor não se deu conta de que se tratava do mesmo filme que sua amiga tinha detestado.
Eastwood também não havia lido o script de Peoples na intenção de produzir o western – na verdade, ele apenas queria conhecer o estilo do roteirista e ver se ele poderia ajudá-lo a reescrever outro roteiro. Mas o astro de Por um Punhado de Dólares percebeu que havia achado ouro logo na primeira leitura. Assim, ignorando o conselho de Chernus, ele adquiriu o roteiro.
Por que Os Imperdoáveis levou mais de uma década para ser lançado
Depois de Coppola engavetar Os Imperdoáveis por anos, Peoples viu Eastwood fazer o mesmo com seu script. O astro de Hollywood, então na faixa dos 60 anos, não sentia que sua idade era compatível com a do personagem Bill Munny.
"Isso foi em 1981. Peguei o roteiro e, naquela época, o coloquei em uma gaveta e pensei: 'Talvez eu devesse estar um pouco mais velho para interpretar esse personagem'", contou Eastwood no aniversário de 40 anos do American Film Institute, em 2007 (veja no vídeo abaixo). "Então, por volta de 1990, me deu um estalo: 'Bem, ainda estou com o roteiro na gaveta; talvez eu deva pegá-lo e dar uma olhada antes de ficar velho demais para fazer esse filme'. Daí o tirei da gaveta, reli e me apaixonei por ele novamente."
Essa não foi a única justificativa que o astro deu para a demora de mais de uma década. Em entrevista ao site NJ.com em 2014, o ator e diretor disse que estava mais interessado em explorar horizontes para além do Velho Oeste no início dos anos 1980.
"Muita gente dizia: 'Ei, você deveria ser um ator de filmes western'. Mas eu queria dar uma variada. Acho que é por isso que, quando recebi Os Imperdoáveis no início dos anos 1980, eu o deixei em uma gaveta por 10 anos. Eu tinha feito um monte de faroestes e pensava que deveria fazer outras coisas antes", lembrou Eastwood. "Dez anos depois, peguei o roteiro novamente, reli e ele estava fresquinho."
O norte-americano havia curtido tanto o script de Peoples que decidiu não mudar nada nele – a não ser pelo título, que trocou para "Unforgiven" ("imperdoável" ou "imperdoáveis") na versão original em inglês. Ele explicou no evento do AFI: "Quanto mais eu mexia [no roteiro], mais percebia que estava estragando tudo. Isso remete a algo que [o diretor] Don Siegel costumava dizer: muitas vezes você pega um projeto excelente e vê as pessoas quererem matá-lo com melhorias".
Com um custo de apenas US$ 14 milhões, Os Imperdoáveis arrecadou US$ 15 milhões logo no seu fim de semana de estreia. O longa acabou fazendo US$ 159 milhões ao redor do mundo, segundo o site The Numbers, além de ter sido indicado a nove Oscars. Ganhou quatro: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante (Gene Hackman) e Melhor Montagem. Uma aposta certeira na carreira de Eastwood – e que o pegou de surpresa.
"Fiquei chocado, porque nunca tento conquistar a audiência. Você tem que esquecer que há alguém lá fora comendo pipoca e chocolate [enquanto assiste à sua obra]. Pensei que se as pessoas quisessem ver o filme, elas o veriam. Se não quisessem, dane-se", o astro declarou à revista Premiere em 1993, segundo o site Cinephilia & Beyond.
Veja abaixo o trailer de Os Imperdoáveis (1992):
A seguir, confira os momentos em que Clint Eastwood recebeu os Oscars de Melhor Direção e Melhor Filme por Os Imperdoáveis em 1993: