Divertida, sem papas na língua, cheia de personalidade e levemente barraqueira. Assim é Natasha, personagem da atriz e roteirista travesti Galba Gogóia, em Renascer, novela das 21h da TV Globo, que faz parte do núcleo de Buba (Gabriela Medeiros). Ao lado da atriz Gabriela Loran e da drag queen Bianca DellaFancy, ela é uma das amigas inseparáveis da psicóloga.
"Cada uma tem uma personalidade muito bem marcada. Elas são muito amigas e unidas, mas a Buba anda afastada desde que começou a namorar, porque sofre muito por ele (Rodrigo Simas). Então, a Natasha, a Janaina (Bianca) e a Maitê (Gabriela) surgem para trazer mais alegria à vida dela e para fazer ela se reencontrar com quem ela era antes do namoro", revela Galba, que aos 15 anos se mudou sozinha para o Rio de Janeiro com o sonho de ser artista.
Releitura do tempo
Desde pequena, quando morava em Arcoverde, no interior de Pernambuco, Galba já era apaixonada por novelas. "A televisão era praticamente a principal e quase a única forma de consumir entretenimento. Sempre me imaginei fazendo parte desse universo, sempre quis. Estar vivenciando essa realização é incrível, e ter personagens trans em uma novela das nove, com o alcance que a Globo tem, é algo extraordinário. É uma releitura do tempo. Quando essa novela foi ao ar pela primeira vez, há 30 anos, as personagens não existiam", celebra.
Para Galba, a criação do núcleo de Buba é um grande avanço do audiovisual. "As personagens trans, e até mesmo uma intersexo, que antigamente era chamada de hermafrodita, estão agora dentro do espectro LGBTQIAPN+. Isso demonstra uma evolução necessária, mostrar um núcleo de amigas trans em uma novela no horário nobre é inovador", elogia.
"Estamos mostrando como pessoas trans podem ser diversas em personalidade, histórias e formas de enfrentar os desafios da vida. Elas compartilham afeto, alegrias e tristezas, mas estão unidas. Isso é belo, é um espaço inédito e histórico, que esperamos que se abra para muitos outros. Queremos que isso se torne comum, recorrente em próximas novelas, séries e filmes. Acreditamos muito nisso", diz ela, que é ativista dos direitos LGBTQIAPN+.
Multifacetada
Como atriz, Galba já brilhou em diversas produções como a série Perdido (2019) e os filmes A Suspeita (2020) e Iceberg (2022). Como roteirista, realizou trabalhos de sucesso, entre eles duas temporadas da série LOL, do Amazon Prime, e a novela Beleza Fatal, que estreia em breve na plataforma de streaming Max. Galba ainda fez parte de vários júris de festivais, como o Festival do Rio, em 2020.
"Tenho trabalhos muito legais como roteirista, dos quais tenho muito orgulho. Como divido minha vida, é uma loucura. Há épocas em que nem sei como responder todo mundo, porque realmente vou no fluxo da loucura do trabalho e sigo em frente. Gosto de trabalhar, e aproveito todas as oportunidades, sou workaholic. Tenho aprendido a lidar com essa questão de me dividir e também a me respeitar um pouco mais", afirma.
Para Galba, conciliar as duas profissões possibilita a ela uma vida financeira estável. "Vou equilibrando os pratinhos, emitindo minhas notas fiscais no fim do mês, seja como atriz ou roteirista. O que acho mais incrível é como essas duas carreiras se complementam e me ajudam no trabalho. Quando estou como roteirista, minha experiência como atriz é muito útil, principalmente na escrita dos diálogos, aproximando-os cada vez mais da linguagem dos personagens para os atores que os interpretarão. E quando estou como atriz, minha experiência como roteirista me permite ser respeitosa com os criadores, mas também propor ajustes e contribuir para enriquecer os projetos", argumenta.
Empoderada
Atualmente com 30 anos, Galba passou por momentos muito delicados quando criança. "Hoje, como adulta, entendo que já era uma criança que sofria homofobia, preconceitos, porque gostava de brincar com as minhas primas, estar com as meninas, gostava de teatro e dança. Era censurado. Meu pai e eu não nos falamos mais. Ele não me aceita, e não quero contato com quem não me aceita como sou", afirma.
"Tenho muito orgulho de quem sou, sou adulta, independente, tenho minha vida, então não preciso mais dele. Apesar do sofrimento com meu pai, minha mãe sempre me apoiou, mesmo com as barreiras do machismo. Ela sempre foi carinhosa, compreensiva e respeitosa. Tenho lembrança de uma vez, em um Dia das Crianças, quando estávamos em uma situação financeira terrível, minha mãe comprou o CD original da Sandy, um luxo na época, e me deu de presente quase escondido do meu pai. Isso me deixou muito feliz, mostrando o amor nas pequenas coisas", recorda.
"Apesar dos problemas com meu pai, minha mãe não tem nenhum, me aceita plenamente, até passa as férias comigo. Essa é uma infância que muitas pessoas LGBT compartilham, infelizmente. Espero que o mundo seja mais acolhedor com as próximas gerações", torce.