A exclusão das universidades no enfrentamento das mudanças climáticas: um erro estratégico

Artigo | A doutoranda Alessandra Prates Barreras Carriero defende que as pesquisas acadêmicas fornecem dados robustos e análises detalhadas que são fundamentais para a elaboração de políticas eficazes

*Foto: Flávio Dutra

As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios do século XXI, afetando todas as esferas da vida humana, desde a saúde até a economia global. Diante desse cenário alarmante, a participação de todos os setores da sociedade na mitigação dos impactos climáticos é essencial. No entanto, é notório que os governos muitas vezes negligenciam o potencial das universidades como parceiras estratégicas no enfrentamento desta crise.

Este ensaio examina os motivos pelos quais os governos não integram adequadamente as universidades em suas estratégias climáticas, utilizando como exemplo as pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que são referência em mitigação climática. Por fim, será reforçada a importância de as universidades contribuírem com a pesquisa para a sociedade brasileira.

Reconhecidas mundialmente como centros de excelência em pesquisa e inovação, as universidades abrigam laboratórios avançados, pesquisadores altamente qualificados e têm acesso a uma vasta gama de dados e recursos. Além disso, incentivam a interdisciplinaridade, crucial para abordar a complexidade das mudanças climáticas, que envolvem ciência, tecnologia, economia e políticas públicas.

Além de gerar conhecimento, as universidades formam profissionais altamente capacitados. Engenheiros ambientais, climatologistas, geógrafos e outros especialistas são preparados nessas instituições para enfrentar desafios ambientais. Esses profissionais possuem tanto o conhecimento técnico quanto uma compreensão profunda da importância de suas atividades na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

As universidades também desempenham um papel vital na extensão universitária, levando conhecimento e inovação para além dos muros acadêmicos. Através de projetos de extensão, se engajam com comunidades locais, promovendo a conscientização ambiental e a participação cidadã em iniciativas de sustentabilidade.

Um dos principais motivos pelos quais os governos não integram adequadamente as universidades em suas estratégias climáticas é a falta de visão de longo prazo. Políticos frequentemente priorizam ações que trazem resultados imediatos, visando ganhar apoio popular e eleitoral. Pesquisas acadêmicas, no entanto, muitas vezes requerem investimentos contínuos e podem demorar anos para produzir resultados tangíveis.

A burocracia excessiva e a falta de coordenação entre diferentes níveis de governo e instituições acadêmicas são outro obstáculo significativo. Processos administrativos complexos podem atrasar a implementação de projetos colaborativos entre governos e universidades. Além disso, a falta de comunicação e alinhamento entre as agendas políticas e acadêmicas dificulta a criação de parcerias eficazes.

Os governos frequentemente enfrentam restrições orçamentárias que limitam sua capacidade de financiar iniciativas de pesquisa e desenvolvimento. Em muitos casos, os recursos são direcionados para outras áreas consideradas prioritárias, deixando a pesquisa acadêmica subfinanciada. Isso é particularmente verdade em países em desenvolvimento, onde as necessidades básicas de infraestrutura e serviços sociais muitas vezes competem com os investimentos em ciência e tecnologia.

Em alguns contextos, há uma desvalorização do conhecimento científico por parte dos governantes, que pode ser influenciada por pressões de grupos de interesse ou por uma falta de entendimento da importância da ciência para a formulação de políticas eficazes. Essa desvalorização se reflete na exclusão das universidades dos processos decisórios e na falta de incentivo para que participem ativamente das estratégias climáticas.

Entre os exemplos do que poderia ser integrado por governos está uma pesquisa da UFRGS que envolve o desenvolvimento de modelos de previsão hidrológica. Esses modelos são essenciais para prever eventos extremos, como enchentes, que são exacerbados pelas mudanças climáticas. Utilizando dados meteorológicos e hidrológicos avançados, os pesquisadores conseguem prever com antecedência a ocorrência de enchentes, permitindo que medidas de mitigação sejam implementadas a tempo.

A UFRGS também é referência em pesquisas sobre energias renováveis, que são fundamentais para a mitigação das mudanças climáticas. Projetos que envolvem energia solar, eólica e biomassa são desenvolvidos com o objetivo de promover fontes de energia sustentáveis e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Essas pesquisas contribuem para a formulação de políticas energéticas mais limpas e eficientes.

Outra área de pesquisa relevante na Universidade é a gestão de resíduos sólidos e a promoção da economia circular. Estudos sobre reciclagem, compostagem e aproveitamento de resíduos orgânicos não apenas ajudam a reduzir a poluição ambiental, mas também promovem a sustentabilidade econômica. Essas iniciativas são cruciais para cidades como Porto Alegre, onde a gestão inadequada de resíduos pode agravar os problemas climáticos.

A integração das universidades no processo de formulação de políticas públicas é essencial para garantir que estas sejam baseadas em evidências científicas.

Pesquisas acadêmicas fornecem dados robustos e análises detalhadas que são fundamentais para a elaboração de políticas eficazes. Sem essa base científica, as políticas correm o risco de serem ineficazes ou até contraproducentes.

A exclusão das universidades das estratégias governamentais de enfrentamento das mudanças climáticas é um erro estratégico que compromete a eficácia das políticas públicas e o futuro sustentável do país. As universidades, com sua capacidade de pesquisa, inovação e formação de profissionais, são parceiras essenciais na luta contra a crise climática. Exemplos, como os estudos desenvolvidos na UFRGS, demonstram o potencial das instituições acadêmicas para contribuir significativamente com soluções eficazes para a mitigação dos impactos climáticos.

É imperativo que os governos reconheçam a importância das universidades e invistam adequadamente em pesquisa e desenvolvimento. Somente através de uma abordagem colaborativa e baseada em evidências será possível enfrentar de maneira eficaz os desafios impostos pelas mudanças climáticas e garantir um futuro sustentável para as próximas gerações.


Alessandra Prates Barreras Carriero é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS e pesquisadora no grupo de pesquisa em Relações Internacionais e Meio Ambiente (GERIMA) e no grupo de estudos amazônicos e pesquisas em Relações Internacionais (GEAPRI).


“As manifestações expressas neste veículo não representam obrigatoriamente o posicionamento da UFRGS como um todo.”