Aplaudido de pé em Cannes, filme inspirado em uma das obras literárias mais importantes do século 20 está no Prime Video Divulgação / Metro Goldwyn Mayer

Aplaudido de pé em Cannes, filme inspirado em uma das obras literárias mais importantes do século 20 está no Prime Video

Há coelhos no céu? É possível, assim como também é possível que George e Lennie, os andarilhos em torno dos quais “Ratos e Homens” gira, consigam escapar da miséria e juntar um dinheiro e comprar o pedaço de chão onde possam criar um punhado desses adoráveis bichinhos, que hão de garantir ao primeiro um sustento digno e ao segundo o passatempo dos sonhos.

Quem não conhece a história imagina que a qualquer momento a dupla de flagelados que pula de um acampamento para o outro ao longo de toda a Califórnia durante a Grande Depressão tem alguma chance de atingir uma meta aparentemente tão ordinária, porém logo nas primeiras cenas (e nas primeiras páginas), resta claro que os dois estão perdidos demais para se encontrar, tanto pior em meio ao cenário de ruína e desespero que obriga todo mundo a valer-se dos expedientes mais melancólicos para sobreviver.

Gary Sinise tira o melhor do pior do romance homônimo de John Steinbeck (1902-1968), publicado em 1937, e elabora um retrato certeiro do que foi a vida durante uma das crises mais avassaladoras da história dos Estados Unidos, sobretudo para quem já não tinha quase nada.

A Grande Depressão, uma sequência de episódios de bancarrotas causadas pelo excedente que as fábricas não conseguiam escoar; pela economia que corria solta, sem norma alguma; pelo crédito fácil a quem não tinha fundos e pela praga do capital especulativo, veio com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 29 de outubro de 1929, e só acabou doze anos depois, em 1941. Enquanto isso, gente como George e Lennie vendia o almoço para ter o que jantar, lutando também para ficar longe de encrenca. Mas, dada a natureza deles, isso já seria pedir demais.

Embora fiel à pena de Steinbeck, vencedor do Nobel de Literatura de 1962, o roteiro de Horton Foote enxuga um tanto a narrativa e se concentra no momento em que George e Lennie já estão instalados no rancho administrado por Curley, um homem bestializado pelas dificuldades em que todos ali vivem, mas muito confortável nessa posição. Casey Siemaszko rouba a cena algumas vezes, e é a partir dele que o enredo começa a explicar pontos até então obscuros.

A esposa do capataz, nunca mencionada pelo romancista, mas uma figura de destaque no livro, também aqui ganha relevo, uma vez que ela é o estopim da tragédia última dos dois colonos. Sherilyn Fenn aparece com uma vamp sedutora, uma Sophia Loren caipira acendendo os desejos dos subordinados do marido — para júbilo dele, ao que parece —, à exceção de Lennie. E esse é o pulo do gato de que Sinise espertamente se vale.

O próprio diretor encarna George, o tipo atarracado e cheio de cartas na manga, deixando para John Malkovich dar vida a Lennie, o primo doce e com limitações cognitivas que embarga suas passadas, mas do qual ele não se consegue se livrar (e talvez nunca o tenha querido). Apesar dos rogos do companheiro, Lennie se envolve com a mulher de Curley, a tragédia imanente de “Ratos e Homens” desce do plano das ideias para o chão da realidade. E a realidade, de novo, é demais para esses dois sonhadores inveterados.


Filme: Ratos e Homens
Direção: Gary Sinise
Ano: 1992
Gêneros: Faroeste/Drama
Nota: 8/10