Inspirado em acontecimentos verídicos que ocorreram em Copenhaga após o fim da Primeira Guerra Mundial, o regresso de Magnus von Horn ao cinema após o destemido “Sweat” é um recreio de segredos imundos e escabrosos que abalroam o espectador do primeiro ao último minuto.

No género de filmes contorcidos, sem nunca cair no efeito do choque pelo choque, “The Girl With The Needle” junta à sua história macabra, com requintes de malvadez, o desempenho sensacional de duas atrizes em estado de graça: a inevitável “Rainha de Copas” Trine Dyrholm, e a impressionante Vic Carmen Sonne de “Terra de Deus”. A dupla, por si só, vale o filme, mas Magnus von Horn deixa em todo o lado o seu dedo, sem nunca se sentir um trabalho de mão pesada, onde a estética engole a história e interpretações. Existe, aliás, uma simbiose bem lapidada em todos os aspetos de construção fílmica, seja na direção de fotografia de Michal Dymek (EO), que carrega o seu filme com um preto e branco que tanto brilha como soterra o espectador num formato 3:2 (1:50) emprestado da fotografia; seja na montagem pausada de Agnieszka Glinska (Cordeiro; EO), na direção artística atenta aos pormenores de Ristergren Albistur Lisette e Ewa Mroczkowska, ou no guião de Line Langebek Knudsen e do próprio von Horn.

Nesta dura viagem de quase duas horas que passam num ápice, o espectador segue Karoline (Carmen Sonne), uma mulher que após o desaparecimento do marido se envolve com o patrão da fábrica de vestuário onde trabalha. Grávida, ela vê Peter (Besir Zeciri), o marido, regressar desfigurado e o “amante”, Jorgen (Joachim Fjelstrup), desaparecer sob o manto de uma mãe condessa que se recusa a que ela faça parte da sua família. Abandonada e despedida do emprego, a mulher tenta por fim à própria gravidez, mas é dissuadida e ajudada, após uma tentativa de aborto fracassado, por uma simpática vendedora de doces chamada Dagmar (Dynolm), que lhe oferece uma alternativa: dar o filho para uma adopção responsável. Aos poucos e poucos, Karoline e Dagma tornam-se inseparáveis parceiras de “um negócio” que a pouco e pouco se vai revelando de forma sinistra.

Na corrida pela primeira vez à Palma de Ouro do Festival de Cannes, Von Horn socorre-se frequentemente de rostos distorcidos e pequenos sons de tom sinistro que fazem o espectador esperar o pior e manter a atenção ao máximo. Mas essa é apenas uma dica estética e visual pontual, pois em tudo o resto ele vai escondendo a verdade sobre a arte da manipulação e o lado obscuro do ser humano.

E tal como as multiplas agulhas que vemos por aqui (de máquinas de costura, de tricotar, de seringas para administrar morfina e até uma enorme para tentar fazer um aborto), os abraços geram igualmente diferentes complexidades e verdades omissas. É que por aqui, eles são usados para confortar, mas também para destruir. E tudo bem debaixo do nosso olhar.

Um filme surpreendente e que dificilmente sai da cabeça após o seu visionamento.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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