O filme na Netflix que vai te fazer pensar duas vezes antes de fechar os olhos para dormir à noite Warren Orchard / Netflix

O filme na Netflix que vai te fazer pensar duas vezes antes de fechar os olhos para dormir à noite

Em “Apóstolo”, o espectador é peça-chave para que se desvende os segredos que precisam deixar as sombras e encharcar-se de luz, embora não se consiga nunca saber tudo. É essa a seiva de uma trama que encerra mistérios que devem mesmo permanecer ocultos, preservados do eixo central da ação — pelo menos até que sua incorporação à narrativa torne-se fundamental. Gareth Evans faz de seu filme um caldeirão em que fervem em fogo baixo o amor e a necessidade de um grupo de pessoas quanto a se encontrar no mundo, bem como a estranheza daqueles que têm de se livrar dos fantasmas atávicos que alimentam com o que pode haver de mais nobre em sua alma.

Em 1905, Thomas Richardson, o ex-padre vivido por Dan Stevens, é pego de surpresa pela notícia do sequestro da irmã ao voltar para casa. Jennifer, a personagem de Elen Rhys, é mantida prisioneira numa ilha em algum lugar do Atlântico Norte, e com calma, Evans conta sobre um culto religioso sobre o qual pouco se conhece e que começa a ser perseguido.Para piorar, o lugarejo sofre com as colheitas cada vez mais mirradas, o que os locais acreditam que seja o efeito de uma maldição que o autoproclamado profeta Malcolm, o personagem de Michael Sheen, não é capaz de reverter.

A presença de Jennifer pode garantir, segundo Malcolm, que as preces dos aldeães sejam ouvidas, e Evans emprega esse argumento na defesa do ponto de vista da religião — ou da religião malversada em fanatismo — como fonte de descaminho do espírito humano.Tentando não chamar a atenção e incorporar-se à sociedade local a fim de descobrir o paradeiro da irmã, Thomas viaja à tal ilha. O primeiro detalhe em que repara é a ambiguidade dos moradores, nem tão ingênuos ou devotos quanto ele pensava.

Sempre muitos tons abaixo do cômodo, a fotografia de Matt Flannery prova que Gareth tem um compromisso firme com seu trabalho, imune às pressões da indústria e não se deixa seduzir pelos tentadores clichês. A atmosfera de obscurantismo e velhacaria que impregna aquele pedaço de mundo esquecido pela civilização se faz sentir por apontamentos como o realce à ignorância que se torna crueldade à medida que a história toma corpo. Subvertendo o gosto de quem assiste, o diretor faz o público comprar a malignidade na qual fundeia seu trabalho, sem que, no entanto, essa apreensão degringole em ojeriza. E o engano se oculta sob o véu das aparências.

O desfecho, ao cabo de algumas reviravoltas — umas mais significativas, outras nem tanto —, soa incoerente, tanto mais ao se ter em conta que finais com pontos a serem submetidos a uma análise mais cartesiana, mais rigorosa, quase sempre são inadequados. “Apóstolo”, na Netflix, fere suscetibilidades e melindra certezas, sem receio de ser perturbador. Pelo sim, pelo não, Evans ainda trata de enxovalhar um tanto mais o ambiente com cenas de massa encefálica colorindo as paredes. Ninguém pode reclamar de que ele não tenha tentado agradar a todos.


Filme: Apóstolo
Direção: Gareth Evans
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 9/10